Eu era um monstro, sempre fui. E não porque as pessoas diziam isso para mim – porque, na verdade, tudo que elas queriam era se afastar o máximo possível de alguém como eu – mas porque essa era minha essência: eu era um monstro, um ser maligno impossível de ter sido criado por algo não diabólico, um alguém que era feito de fumaça, ossos e solidão. Alguém que se alimentava de vida.
Nem sempre fui assim, no entanto; houve um tempo antes das celas em minha mente serem quebradas, o tempo em que eu me escondia de mim mesmo, tentando desesperadamente achar uma saída para o labirinto em que vivia. O tempo em que minhas mãos amaldiçoadas viviam presas em suas prisões de pano, quando eu tinha medo.
Descobri ser bem melhor quando deixava-as livres para tocar quem eu quisesse. Eu gostava da maneira como elas encaixavam-se nas mãos de outro alguém e da maneira como a pessoa sucumbia ao meu toque rapidamente, cada célula de seu corpo reduzindo-se a cinzas enquanto eu apenas ficava mais e mais forte.
Sempre gostei de saber que a vida era algo efêmero e que eu poderia diminuir sua duração ainda mais só por encostar em alguém com as pontas dos dedos. Eu sentia-me como um anjo da morte, apenas fazendo meu trabalho.
Menos, é claro, quando fui abraçá-la. Quando minhas mãos doentes tocaram seu corpo pálido e o seu sorriso sumiu e quando seus olhos castanhos desapareceram para sempre, apenas mais e mais cinzas que manchavam meus sapatos, eu só podia pensar no óbvio: eu era um monstro.
E agora toda minha existência é um pesadelo sem ela.