Chove e estou exposta.
Estou nua.
Pessoas se aglomeravam como abelhas à minha volta, ferroando-me com seus olhos raivosos. Sentia suas picadas na pele, mais pontiagudas do que as lanças que apontavam em minha direção. Lanças podres e já usadas que carregavam as manchas dos sonhos mortos das pessoas que ascenderam antes de mim.
Eles nunca trocavam. Eram sempre as mesmas armas.
As faces também eram iguais: o mesmo semblante morto. Não havia rugas ou defeitos, mas também não havia vida. As vestimentas também eram as mesmas: A opinião imutável e o conceito fechado que os encobria da cabeça aos pés com seu manto negro. Os olhos ficavam à vista, pois era preciso. Não havia outra forma de julgar sem ser usando-os.
Eram Decaídos.
Eu sentia o peso desse olhar curvar-me as costas.
Sentia a expressão raivosa agredir-me a face.
Sentia a lança velha espetar-me os sonhos.
Mas era tão bom sentir a chuva.
Caía como tiros vindos do céu, mas não me perfuravam. Irrigava meus cabelos e seus pingos frios escorriam-me pelo rosto. Acariciava a pele exposta e recém descobridora da liberdade. Passava como dedos esqueléticos de gelo por todo meu corpo.
Regava-me os sonhos.
Não dava para sentir isso debaixo daquela roupa.
Por isso eu era a bruxa prestes a cair na fogueira agonizante do julgamento. A fogueira que queima primeiro por dentro, matando quem somos com seu fogo dilacerante da crítica. Por isso eu era a feiticeira que depois afogariam no lago da exigência. Lago esse que distorce a imagem do que somos.
Pois criei rugas no rosto imaculado. Mostrei meus defeitos. Transformei-me – conheci-me – no diferente. Exibi minha imperfeição: quem sou. Deixei-me ser lavada pela chuva de lágrimas sonhadoras que ressuscitava, em mim, inspirações.
Tirei a manta. Larguei minha arma. Tornei-me nua.
E sonhei.
Mas puxaram a corda.
A massa de mantos negros se tornou uma só. Não consegui mais sentir a chuva e nem sabia mais se estavam me encarando com seus olhos agressores. Apenas senti a corda me apertar o pescoço, rápida como o bote de uma serpente.
E num segundo, decaí.