— Como assim você não tem Facebook, Augusto?
— É, cara, eu não tenho, sabe. Eu acho aquilo um saco. Eu já vejo humanidade demais nas ruas, quando saio pra comprar cigarro ou pão.
— Hein?
— Porra, o Facebook é um espelho, sacou? Todas as sujeiras que rastejam nas profundidades da superfície dos seres, sacou? Tudo isso vem à tona, a todo instante... É um horrível, cara. Me dá ânsias de vômito.
— Mas Augusto... Então cê tá por fora da vida e de tudo, hein.
— Muito pelo contrário, cara. Nunca estive tão imerso nas coisas. Um homem não precisa de memes, curtidas, e essas merdas todas. Eu, porra, eu só preciso de um quarto, de solidão, uma boa música e um livro.
A ligação caiu. Oh sim, a ligação caiu. Acho que porque eu tropecei e caí de cara no meio fio e um ônibus passou por cima do meu celular.
Ah, puta merda.
Ficar sem Facebook, tudo bem. Agora, ficar sem celular? Ah não! Isso é impossível! Estou aleijado, caralho. O celular — o meu cérebro. Agora já era... Vou entrar em depressão... Uma parte de mim morreu. Todas as minhas selfies (e olhe, eu tinha lá umas 500 selfies — maldita vaidade podre!), todas as minhas notas, os meus poemas, em suma: tudo se foi, perdido, eternamente, no mar escroto da negritude do esquecimento...
Inconsolável, vaguei pela cidade... Ninguém sabe quem eu sou. Ninguém me stalkeia. Ninguém curte minhas publicações. Eu não existo! Deus, eu não existo!
As discussões e polêmicas em voga, não, não estou por dentro delas. Ah céus! Não sei nada das novidades, estou perdido no tempo.
Como Dostoiévski vivia naqueles tempos, hein? Sem celular! Como ele sabia de tanta coisa, aquele maldito? Ah! As pessoas todas, os pensadores todos, antes de toda a nossa modernização, e de toda essa globalização dos infernos... Ah! Uns atrasados, é isso o que eles eram... Sabemos de tudo agora. E defendemos todas as causas.
Olhem, olhem: uma flor arrancada de um canteiro. Oh não, ela está no chão, morrendo, murcha, matada, coitada.
Mas que revolta! Preciso de uma lan house! Agora mesmo!
E vou até a lan house, peço uma hora de internet, reativo o meu Facebook, e atualizo o meu status:
Que absurdo! Que mundo cruél! Precisamos defender as minorias, diabos! Vejam: hoje eu estava caminhando pelas ruas dessa cidade-imperial-sis-patriarcal-etc. E me deparei com essa VIOLAÇÃO DOS DIREITOS NATURAIS DOS ORGANISMOS COLORIDOS. A flor, galera! Havia a flor. Ela tinha sonhos, ela tinha alma. E então, algum babaca opressor, arrancou-a de seu canteiro, para forçá-la a um mero esteriótipo romântico, para lançá-la depois à miséria da decomposição, no meio da rua, assim, a flor, toda largada, tadinha, mas é um crime! Devemos defendê-la! Vou organziar e convidar todos vocês para participarem de um ATO, um PROTESTO, e vamos alçar nossas vozes, ó juventude valente!, e vamos defender a dignidade das flores, das rosas, das tulipas, de todas elas. A igualdade! A liberdade! A fraternidade! Todas as flores são iguais. Todas as flores merecem respeito. Abaixo a opressão!
E aí, em menos de dois minutos, já havia uma salva de palmas para mim, eu — o grande desconstrutor de paradigmas! Posso agora andar com a consciência tranquila e com o peito estufado!
Saí da lan-house e lembrei que iria encontrar com a minha namorada. Era aniversário dela.
Fui num canteiro, arranquei de lá várias flores, e caminhei contente rumo ao meu amor.