Você sabe como é se sentir mordido por dentro, pelos seus próprios dentes... E ter sua garganta espetada pelas unhas que nela descem... Arranhado pelas mesmas que nas mãos já nem existem?
Sabe como é se sentir o ladrão dos próprios sonhos? O que suga a própria felicidade? Se sentir como o tumor que infesta o próprio pulmão?
O quão forte eu posso morder meus próprios lábios? Sou forte o bastante para amassá-los até eles sangrarem? - para não gritar de noite - Acho que essa dor externa já é a suficiente, por isso mal mordo, já desisto de me torturar com os próprios dentes, e... Sim, essa é a pior parte, a incapacidade de ser o meu pior veneno e ao mesmo tempo, ser tão destrutível...
Essa onda de sentimentos nauseantes e marrons, aflora a cada dia mais, sinto-os borbulhando por dentro de cada veia, enquanto meus dedos se encolhem e se contorcem para não terem segundos de liberdades e destruírem outra porta ou gaveta.
Esse gosto quente na minha boca, o suor que decora meu rosto de rancor, o nariz que se enche de ar sólido, frio, cortante... Mas tudo isto, todo o caos, acontece apenas dentro de um corpo... Que bambeia entre as ruas, as salas, as pessoas, as conversas...
Eu paro, e fico num canto tentando prestar atenção, tentando ser a sensação do famigerado segundo que já se passou, mas acabo por ser sempre, aquela que apenas restou.
Como é ver, esses demônios tomarem posse de você? Essa experiência desumana que acontece de dentro pra fora, percorrendo todo o seu corpo, e você não tem controle, você já não é mais dona de nada, você não tem vontade... Você não quer ter coragem. De me pendurar e flutuar alguns segundos antes do pescoço trincar, ou das veias esguicharem, ou dos miolos fritarem, ou dos olhos tremularem a p a v o r a d o s.
- Ave Maria Mãe de Deus, estou curada!
E é por que eu sinto.
Amor.
E me preocupo, mas de que isso vale se ninguém vê? Por que eu sinto esse amor tão egoísta que só quer ser válido se for retribuído? Por que esses sentimentos egocêntricos me fecham a visão, esmagam meus pensamentos e me reduzem a um nada com um pouco de açúcar por cima?
E de novo, sim, de novo, eu me pergunto:
- QUAL CARALHOS É O MEU PREÇO?!
Eu sou tão barata quanto pareço...?
Eu não suporto mais um som, ou um tom de voz, ou uma olhada pelos cantos, ou uma aproximação demasiadamente longa, aonde está meu espírito, aonde está meu cerne?
Ele foi enterrado com todas as coisas que eu deixei escorrer pela parede, ele foi levado junto com todas as partes que os ventos da vida, rasgaram de mim.
Não me sinto digna dessa brisa, dessa benção, nem dessa família que me massacra todo dia, eu não sou digna! Não desse som, que eu desperdiço em vão para tentar detalhar minha interna e suja rotina.
Eu não, eu não mereço o fingimento dessas pessoas que fingem se importar comigo, eu não mereço minha voz, nem meus olhos, nem as cores do meu cabelo, nem a força dos meus ossos.
É que... Puxa vida...
Eu já não sou mais eu.
Apenas me resumo e, me assumo, como um complexo demasiadamente clichê de fingimentos.
Essa pele não é minha.
Eu perdi minha doutrina.
Liguem pra emergência!
Eu me perdi de mim mesma,
eu nem me lembro
da última vez
que eu me vi
(me) passar por mim...
E eu, sinceramente abatida, constrangida e toda essa lenga-lenga, mais uma vez apresento a todos vocês, o meu mais completo arsenal de derrotas, quentinhas, só para desencantar vocês.
"Oh, obrigada pelo show!"
"Sim, sim, foi uma orquestra bem regida!"
Mas, assim como o maestro, eu é que rejo ela - a música da vida -, mas também, para ela, - plateia que caçoa e me pisa nas canelas - eu fico de costas, aguardando...
Frígida.
A explosão de sons torturantemente belos, começar.
Apenas aguardando, é claro, retornar a piorar.