Barquinho de Rafael
Jadi Araújo
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 08/02/17 11:29
Editado: 08/02/17 11:40
Gênero(s): Drama Reflexivo
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 2min a 3min
Apreciadores: 3
Comentários: 2
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Palavras: 465
Livre para todos os públicos
Capítulo Único Barquinho de Rafael

Num barquinho feito de papel, toda a imaginação do mundo; o garotinho colocou-o no mar da praia, com uma mão cobrindo o olho para simular a falta de visão dos piratas. Entre caretas e grunhidos, soprou o barquinho para longe e entrou na água para não perdê-lo de vista.

— Até mesmo os grandes piratas temem o mar — disse uma voz atrás dele. Um homem. O garoto não o tinha percebido até então. — Muitas embarcações afundam com a sua fúria.

— O meu barco não! Ele não afunda nunca.

O desconhecido sorriu e seu rosto formou rugas, apesar de ser visivelmente jovem.

— Se você diz só me resta acreditar. O meu nome é Marco.

— O meu é Rafael.

Criança e rapaz trocaram um aperto de mão.

— Será que posso fazer parte da sua tripulação? — Marco falou. Rafael encarou-o atentamente.

— Não sei. Não podemos ter pessoas tristes a bordo.

O rapaz vacilou.

— Por que não? Talvez eu não seja uma pessoa totalmente triste.

— Você está triste, moço, eu sei ver isso — suspirou. — Mas posso tentar te deixar feliz! E depois você entra na tripulação, tá?

Marco reparou no modo que a criança falava com ele. Era de uma inocência tão pura que ele se sentiu saindo do fundo do poço ao qual tinha praticamente se jogado. Aquelas palavras surtiram um efeito que nem o seu melhor dia de terapia conseguiu.

— Aceito a sua proposta, capitão. Podemos começar?

Rafael começou a explicar como as "velas" do barquinho funcionavam. Por um momento, todos os problemas foram esquecidos e eles se perderam na brincadeira. Marco achou que poderia fazer parte da tripulação. A tristeza saía de seus olhos e seus músculos começaram a ficar leves. Os sorrisos eram mais fáceis.

Mas, subitamente, a impressão do rapaz era de que tudo tinha começado a tremer.

Foi tudo muito confuso. Marco ouviu vozes que diziam para sair da água, mas, antes que pudesse processar a ordem, uma multidão entrou em sua frente e ele começou a ser arrastado. Rafael começou a chorar e a única coisa que o rapaz pôde fazer foi segurar a mão do menino com força. O barquinho de papel havia sumido.

Se Marco soubesse, não adentraria tanto no mar. A areia estava muito longe. As pessoas gritavam e o mar não parava de tremer; a sua fúria parecia aumentar. Ele só pensava desesperadamente em tirar o menino dali, mas nem isso ajudaria. Sabia que a água iria pra todos os lados.

Quando se deu conta disso, apenas abraçou Rafael e se permitiu chorar. Ele não teria a chance de parar de ser triste, mas não iria abandonar o capitão. Nunca.

Talvez esse tivesse sido seu último pensamento antes das ondas afundarem seus corpos no mar. A raiva da Terra já não poderia ser contida.

A vida não é justa.

❖❖❖
Notas de Rodapé

http://melodiasdotempo.blogspot.com.br/2017/02/barquinho-de-rafael.html

Apreciadores (3)
Comentários (2)
Postado 09/02/17 21:29

Parabéns pelo seu texto. Ele consegue ser envolvente mesmo curto... Faz você se sentir mal e em aspectos literários isso é muito bom. Rafael seria o tipo de criança sincera e encantadora, que faz as pessoas terem ânimo de viver... Acho bonitas certas situações em que o adulto fica amigo da criança, porque assim aquele pode presenciar a nostalgia da inocência que escorreu por entre seus dedos tão depressa.

Certamente o mais velho tinha problemas psicológicos e aquele menininho foi seu refúgio, por seu jeitinho franco e ingênuo. A primeiro momento, comecei a pensar que o rapaz tinha adentrado a imaginação de Rafael. Que doce ilusão - apesar de que uma ilusão não deveria ser chamada de doce... Ao me dar conta do que estava acontecendo, só pude sentir pesar.

Às vezes as coisas parecem melhorar, mas no final tudo desaba em cima da gente. A vida realmente não é justa, só Deus é. Ler isto me incomodou... Então fica aqui meus parabéns pelo belíssimo trabalho, já que tristeza também tem sua beleza... Porque faz parte da realidade.

Abraços e muito sucesso!

Postado 18/01/18 01:00 Editado 18/01/18 01:04

Fiquei deveras surpreendida com este final, mas uma instigante melancolia também me tomou. É tão triste, pois tudo estava tão bem. Esse texto me faz pensar que a vida é exatamente como a narrativa prossegue: entramos para a tribulação dos cidadãos, encontramos coisas boas no meio da nossa tristeza, nos permitimos ficar bem, contudo, de uma hora para outra, o mar da vida vem e nos afoga.

A narrativa é instigante. O leitor realmente quer saber como a trama vai se encerrar, pois tudo é muito bem escrito e detalhado.

Parabéns pela obra ❤