Num barquinho feito de papel, toda a imaginação do mundo; o garotinho colocou-o no mar da praia, com uma mão cobrindo o olho para simular a falta de visão dos piratas. Entre caretas e grunhidos, soprou o barquinho para longe e entrou na água para não perdê-lo de vista.
— Até mesmo os grandes piratas temem o mar — disse uma voz atrás dele. Um homem. O garoto não o tinha percebido até então. — Muitas embarcações afundam com a sua fúria.
— O meu barco não! Ele não afunda nunca.
O desconhecido sorriu e seu rosto formou rugas, apesar de ser visivelmente jovem.
— Se você diz só me resta acreditar. O meu nome é Marco.
— O meu é Rafael.
Criança e rapaz trocaram um aperto de mão.
— Será que posso fazer parte da sua tripulação? — Marco falou. Rafael encarou-o atentamente.
— Não sei. Não podemos ter pessoas tristes a bordo.
O rapaz vacilou.
— Por que não? Talvez eu não seja uma pessoa totalmente triste.
— Você está triste, moço, eu sei ver isso — suspirou. — Mas posso tentar te deixar feliz! E depois você entra na tripulação, tá?
Marco reparou no modo que a criança falava com ele. Era de uma inocência tão pura que ele se sentiu saindo do fundo do poço ao qual tinha praticamente se jogado. Aquelas palavras surtiram um efeito que nem o seu melhor dia de terapia conseguiu.
— Aceito a sua proposta, capitão. Podemos começar?
Rafael começou a explicar como as "velas" do barquinho funcionavam. Por um momento, todos os problemas foram esquecidos e eles se perderam na brincadeira. Marco achou que poderia fazer parte da tripulação. A tristeza saía de seus olhos e seus músculos começaram a ficar leves. Os sorrisos eram mais fáceis.
Mas, subitamente, a impressão do rapaz era de que tudo tinha começado a tremer.
Foi tudo muito confuso. Marco ouviu vozes que diziam para sair da água, mas, antes que pudesse processar a ordem, uma multidão entrou em sua frente e ele começou a ser arrastado. Rafael começou a chorar e a única coisa que o rapaz pôde fazer foi segurar a mão do menino com força. O barquinho de papel havia sumido.
Se Marco soubesse, não adentraria tanto no mar. A areia estava muito longe. As pessoas gritavam e o mar não parava de tremer; a sua fúria parecia aumentar. Ele só pensava desesperadamente em tirar o menino dali, mas nem isso ajudaria. Sabia que a água iria pra todos os lados.
Quando se deu conta disso, apenas abraçou Rafael e se permitiu chorar. Ele não teria a chance de parar de ser triste, mas não iria abandonar o capitão. Nunca.
Talvez esse tivesse sido seu último pensamento antes das ondas afundarem seus corpos no mar. A raiva da Terra já não poderia ser contida.
A vida não é justa.