Naquela cozinha havia um talher
Uma bela e peculiar colher
Mas, não era uma qualquer:
Ela continha uma alma de mulher.
Toda feita de madeira
Cor e forma em harmonia perfeita
Cujo corpo de exatas dimensões
Era um alvoroço de sensações
Quando, imersa nas refeições,
Também o fazia nas emoções.
Nos lábios das pessoas se arrepiava.
Na textura dos ingredientes arfava.
Cada língua ou dedo em si
Era uma torrente de prazer sem fim.
Usada e abusada pelos cozinheiros
Todo dia, o dia inteiro,
Na mistura de ingredientes
Fossem crus, fossem quentes,
Acariando e sendo acariciada
Por eles de formas inesperadas
Geralmente em altas temperaturas
Feito sua alma em eterna fervura
O calor do preparo não superava
O ardor que nela habitava
Cada prato, uma história
Cada chef, uma memória
Ah, como a colher gostava
De ser tão bem manuseada
Enquanto mergulhava de cabeça
Em cada item do menu à mesa!
E parece que seu contentamento
Fluía para os alimentos
Pois o sabor das coisas melhorava
E a libido das pessoas instigava
Ah, que colher era aquela?!
Ah, que coisa mais bela!
Nos secretos pensamentos dela
Dizia ser escrava das panelas
E rainha dos pratos...
Que pensamento mais inusitado!
Ainda assim, era a pura verdade
E nisso se traduzia a sua felicidade.
Quanta volúpia pura e natural
Emanava daquela colher de pau!
Mas um dia, ela simplesmente sumiu
E ninguém nunca mais a viu;
Só sei para onde a alma dela foi:
Reencarnou como Marylin Monroe...