Já havia anoitecido. No ponto de ônibus, uma universitária recebeu uma ligação de um número desconhecido. Curiosa e entediada, decidiu quebrar seu protocolo pessoal e atendeu a chamada.
- Alô. - disse a jovem um tanto emburrada ao pensar na prova que faria na última aula.
- Fá..? - tanto a pergunta quanto a voz do outro lado soaram fracas e incertas.
- Olha, você ligou errado. - sentenciou de forma seca enquanto olhava ao redor. - Ou deu linha cruzada, sei lá.
- Deus... Nem pra isso eu prestei... - lamentou a pessoa com tom de choro. - Desculpa, moç...
- Ei, espera! O que houve? - interrompeu a garota, notando o desespero naquela frase. - Talvez eu possa ajudar.
- Ninguém pode, moça... - declarou a anônima com a voz embargada, fazendo uma pausa para soluçar. - Já espalharam o vídeo no Whatsapp...
O coração da ouvinte acelerou, meio que imaginando o que poderia ser. Tentou arrancar alguma informação da garota, mas tudo o que conseguiu foram soluços e a perda de seu ônibus. Iria chegar atrasada no faculdade, mas não se importou nem um pouco.
- Meus pais, a comunidade... Muito preconceituosos... Nunca vão entender ou perdoar meu amor pela Camila... - afirmou de repente a jovem chorosa com a voz trêmula. - Nos espancaram. Nos humilharam. Meu Deus, foi só um beijo... - o pesar naquelas palavras calou fundo na alma da universitária, que ouvia a tudo já com os olhos marejados.
- Onde você está, garota? - conseguiu perguntar por fim, tentando encontrar uma forma de ajudar. Não sabia o que dizer, foi pega de surpresa por tudo aquilo.
- No Inferno, moça. - respondeu a desconhecida com uma tristeza e certeza assustadoras. - No Inferno...
- E-Eu sei que é quase impossível, mas...
- Moça? - agora foi a vez dela ser interrompida. - Muito obrigada por ter me ouvido... Sério, muito obrigada de coração.
- Ei, ei! Por favor, não desliga! Fala comigo! - clamou a universitária em voz alta, chamando a atenção das pessoas ao seu redor. - Onde você está? Você está sozinha ai?
- Não... Tem um monte de gente aqui... E ninguém se importa. - o tom de voz dela foi ficando mais baixo e sombrio. - Mas sempre tem uma luz no fim do túnel. Sempre.
- Isso! Esse é o espírito! Você consegue! - incentivou a ouvinte com entusiasmo enquanto sinalizava para o ônibus parar. - Ah, meu nome é...
Seu coração radiante quase parou quando ela ouviu várias pessoas subitamente gritando, o som dos vagões do metrô passando e a ligação sendo brutalmente encerrada enquanto o celular e sua desgraçada dona eram despedaçados com a mesma facilidade pelo célere veículo.
Outra linha fora cruzada... Para sempre.