Um tratado sobre o amor e seu efeito nas pessoas
Sali
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 24/01/17 02:56
Gênero(s): LGBT Romântico
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 10min a 13min
Apreciadores: 4
Comentários: 1
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Palavras: 1666
Não recomendado para menores de catorze anos
Capítulo Único Um tratado sobre o amor e seu efeito nas pessoas

Apertei duas vezes o botão da campainha e aguardei de pé, diante da porta, enquanto mordia os cantos das unhas — mania que eu não conseguia deixar de lado.

— Você veio rápido. — Karin sorriu, logo que abriu a porta. Ela era ligeiramente mais baixa que eu e, naquele momento, vestia somente uma camiseta branca, larga, e uma calcinha azul e cinza.

— Seria rude te deixar esperando. — ergui a sobrancelha e sorri também, encarando seus olhos negros e desafiadores.

Ela olhou-me de cima a baixo, analisando meus jeans escuros, a camisa cinza, a jaqueta preta de couro. Senti seu olhar penetrante desenhando meus lábios e subindo pelos cabelos — meus cabelos curtos, castanhos, com cachos bagunçados onde eu não raspara com a máquina 1.

— Que bom que aceitou o convite.

Ri baixo, revirando os olhos, como se fosse possível negar um convite daqueles: uma noite que começaria com sexo e, com sorte, terminaria com pizza e Netflix.

— Vai me deixar esperando aqui fora?

Ela sorriu e mordeu levemente o lábio, encarando-me com uma expressão interessada. E então, antes que eu pudesse reagir, agarrou a gola da minha jaqueta e me puxou para dentro do apartamento, fechando a porta com um empurrão.

— Você quer beber alguma coisa? Água, café...

Ri pelo nariz, divertindo-me.

— Ah, aceito, sim... — murmurei e segurei sua mão, puxando-a para mim até que minhas mãos lhe rodeassem a cintura. — Você sabe muito bem o quê.

— Isso será servido em breve. — ela riu e beijou-me os lábios, guiando meu corpo até o sofá, nosso velho conhecido.

Alguns segundos depois, minha jaqueta repousava no chão e Karin no meu colo, com uma perna de cada lado das minhas coxas. Enquanto me beijava, suas mãos arranhavam minha nuca, puxavam a minha camisa e o meu cabelo sem força, mas de um modo que deixava o meu corpo inteiro arrepiado. Em resposta, eu apertava o seu quadril com os dedos, arranhando sua pele e subindo lentamente a camiseta branca.

Um puxão gentil no meu cabelo me fez inclinar a cabeça para trás, expondo o pescoço. Senti os lábios de Karin deixarem beijos e mordidas pela minha pele. Soltei um ou dois gemidos baixos enquanto ela puxava a gola da minha camisa para baixo, mordendo devagar a pele do meu colo.

— Karin... — suspirei, arranhando a base das suas costas.

— Acho que podemos continuar isso no quarto. — ela deu um de seus melhores sorrisos tortos, erguendo as sobrancelhas para me analisar.

Apertei suas coxas e me levantei, segurando-a no colo e guiando-a pelo caminho que eu já conhecia.

Segundos depois, nos víamos na cama box. Karin colocou-se novamente sobre mim, sorrindo e olhando-me nos olhos. Desci as mãos pelas suas costas, acariciando e apertando suas coxas enquanto ela arrancava de uma vez a minha blusa.

————— —— — —— —————

— Liv, eu não consigo me cansar com você. — Karin murmurou, enquanto acendia um cigarro. Ela estava sentada na cama, o corpo macio totalmente descoberto.

Ri pelo nariz.

— Só comigo? — perguntei, acariciando suas costas.

Ela olhou para mim com um falso ultraje no olhar.

— E você diz como se eu fosse uma vadia.

— Eu não disse nada disso.

Ela revirou os olhos e se aproximou um pouco mais de mim, uma de suas coxas sobre a minha. Automaticamente, apertei-a um pouco mais forte. Ela voltou a se concentrar no cigarro, tragando e soprando lenta e repetitivamente. Depois de quase dois minutos apenas fazendo isso, finalmente ouvi outra vez a sua voz.

— Eu estou apaixonada. — a frase saiu como um murmúrio, quase baixo demais para que eu pudesse ouvir.

Mas eu ouvi e assimilei cada palavra, sentindo um frio súbito percorrer o meu corpo, acompanhado de uma agitação estranha, que eu não consegui entender bem. Karin não era nada além de uma amiga com quem eu mantinha relações bastante estreitas. E, exatamente como eu, ela podia fazer o que quisesse com quem bem entendesse. Mas mesmo sabendo disso, eu não gostei nem um pouco de ouvir aquelas três palavras.

— Karin Benke apaixonada? — ergui as sobrancelhas, rindo. — Protejam-se, o apocalipse está chegando. — ironizei, ignorando os sentimentos estranhos que aquela declaração me causara.

— Só não é mais raro que Liv Hermann apaixonada. — ela sorriu de canto e eu revirei os olhos, vendo-a apagar e se livrar do resto do cigarro, voltando-se para mim. — E você fala como se eu fosse um robô sem sentimentos.

— Não é isso. É só que... É estranho te ver... apaixonada. Para não dizer improvável.

— Não é algo que aconteça com frequência, mas isso não significa que eu sou uma psicopata sem sentimentos. Diferente de você.

Dei um sorriso torto.

— Eu não disse isso.

Subitamente, Karin levantou-se da cama, se espreguiçando diante de mim. Puxou uma blusa preta do armário e colocou-a de qualquer jeito, prendendo os cabelos longos e negros num coque.

— Vou pedir pizza. Me acompanha?

Confirmei com a cabeça, vestindo-me com a blusa branca que ela tirara pouco antes.

— Vamos lá.

Na cozinha, Karin tirou da geladeira duas garrafas long-neck verdes, estendendo uma delas para mim.

Me aproximei dela e peguei a garrafa, agarrando-lhe a cintura e puxando para perto.

— Você fica sexy assim... — murmurei, roçando os lábios em seu pescoço.

Vi o corpo inteiro de Karin estremecer, enquanto ela soltava um suspiro baixo. Tive a impressão de ver seus lábios se curvarem num sorriso, mas não pude ter certeza.

— Fico? — ela ergueu a sobrancelha, grudando o corpo no meu.

— Ah, fica... — sussurrei novamente, descendo as mãos pelas suas costas até a bunda, apertando-a de leve.

Ela sorriu e roçou a coxa nas minhas. E então um toque de celular nos separou.

— Droga. — Karin murmurou e pegou o celular sobre o balcão da cozinha, desligando-o sem atender.

— Quem é? — perguntei, mais pelo hábito de ser curiosa.

— Ella. — ela respondeu.

Ella era uma mulher com quem Karin estava saindo havia duas ou três semanas. Não que isso me agradasse, mas eu não tinha muita escolha.

— Mas você não tá ficando com ela?

— Não. Eu tava. Ela é bem gata, mas é chatinha demais. E me irrita. Parei de falar com ela faz uns dias, e agora ela tá me infernizando.

— E quem não te irrita, Benke? — arqueei as sobrancelhas.

— Você? — ela sorriu de canto e eu revirei os olhos.

— Mas então você começou a se interessar por outra e simplesmente deixou a Ella pra escanteio? As pessoas tem coração, Karin.

Ela revirou os olhos.

— Não foi bem isso. Eu não comecei a me interessar por outra.

— Não? Então por que diabos você... Ah. Tem a ver com a sua paixão repentina?

— É... Talvez.

— Você não está apaixonada por um cara, está? — olhei-a com desconfiança.

— Claro que não, Liv! Você acha mesmo que eu me apaixonaria por um cara?

— Sei lá. Seus gostos são estranhos.

— Parece ser realmente inconcebível a ideia de eu me apaixonar, não é? — ela perguntou, voltando a se aproximar de mim.

— Não é inconcebível. Só surpreendente. E além disso, acho que vou perder minha melhor amiga se isso acontecer.

— Perder as transas fáceis, você quer dizer.

— Claro que não, Karin. Você fala como se eu só me importasse com você por um motivo.

— E não é?

Segurei seu queixo e beijei seus lábios demoradamente.

— Na verdade, não.

Seus olhos miraram os meus por um tempo, então ela desviou o olhar e virou o rosto, soltando um suspiro.

— Karin... Tá tudo bem?

Outro suspiro.

— Você pode ligar pra pizzaria? Vou vestir alguma coisa. — ela falou, de repente com a voz dura e seca.

— Ei, ei. Espera aí, Karin. O que houve?

— Não é nada. Você pode ir embora? E-eu... Estou esperando alguém. — ela murmurou, adentrando o quarto e vestindo uma calcinha cinza e uma calça de moletom.

— Eu não vou embora. — falei duramente, segurando o braço de Karin e pressionando-a contra a parede do quarto. Com a outra mão segurei o seu queixo e a fiz olhar nos meus olhos.

E então, naquele rosto onde normalmente se via ironia, sarcasmo, sorrisos enviesados e malícia era possível ver outra coisa. Um sofrimento inesperado, uma angústia inédita ali. E de repente seus olhos negros ficaram marejados e deixaram escorrer uma ou duas lágrimas pelas bochechas.

— Ei, calma. Não chora, Karin. — abaixei a voz, limpando carinhosamente as gotas de água salgada que escorriam-lhe pelo rosto.

Ela olhou para baixo, e então sua carapaça voltou a se fechar. Suas mãos empurraram meus ombros com força.

— Eu falei para você ir embora. — ela disse com um pouco de raiva, secando o rosto com as costas da mão e se virando de costas para mim.

— Eu não vou embora. Eu sei que você não está esperando ninguém.

— Vai embora.

— Mas que merda, Karin. Para de fugir de mim.

— Eu não estou fugindo de você. Só quero que você vá embora.

— Eu não vou embora.

— Por que não? Eu não te quero aqui.

— Mas eu quero, porra. — falei com a voz brava, puxando novamente o seu braço e fazendo-a olhar novamente para mim. — Eu posso ser uma "psicopata sem sentimentos", mas eu gosto de você.

Karin me encarou com uma expressão séria por algum tempo, até que, de repente, ela sorriu. E o sorriso se transformou em uma risada que não era falsa ou irônica; ela realmente achara graça de alguma coisa ali.

Mirei seu rosto com as sobrancelhas arqueadas, um sorriso brotando nos meus lábios sem que eu permitisse. E então eu também estava rindo.

— Meu Deus, Karin, você é louca ou o quê? — perguntei, logo que o surto de risadas chegou ao fim.

Ela revirou os olhos, sem deixar de sorrir.

— Nós somos duas idiotas, estupidamente apaixonadas uma pela outra. Isso não é motivo o suficiente para rir?

Correspondi ao seu sorriso revirando os olhos, e puxei Karin para mim, segurando a sua nuca a fim de dar-lhe um beijo demorado.

Logo que este chegou ao fim, ela mordeu o meu lábio inferior e me olhou, desafiadora, me empurrando pelo quarto até que eu caísse deitada na cama. Sorri com malícia enquanto Karin se sentava sobre mim e arrancava de uma vez a camisa preta que ela havia vestido.

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Apreciadores (4)
Comentários (1)
Postado 11/01/22 17:02

Caraaaaaaaaaaaaaaa! Que obra! Ambas as personagens são divertidas e complexas, cada uma com suas singularidades e acredito que isso dê uma veracidade potente para a narrativa.

Obrigada por compartilhar conosco.

​Parabéns, Sali ♥