Longe do sol, longe de mim,
minhas mãos se erguem ao firmamento,
minhas preces baixam à profundeza.
Sobre minha cabeça paira uma coroa de nuvens,
e cada raio é o espinho na carne do Salvador...
e meu vinagre são as ondas --
minhas feridas são fendas abissais.
Não ouço as ondas chorarem.
Sento sobre um trono de corais,
minha pele é esfolada pelos cnidários,
e minhas mãos queimadas pelo sal.
Só chora o vento ao Sul do Paraíso,
e soluçam os anjos marinhos do holocausto...
Estremecem em lamúrias secas os cachalotes,
os brancos espermas,
reis chacinados nas areias da matança.
Ergue-se em mim o vapor,
fria neblina do fim do mundo.
As lesmas expelem o veneno lácteo,
fumaça roxa em águas de resignação,
geratriz de hediondas pinturas rubras,
o vômito sanguíneo dos condenados.
Observo uma baía de peixes mortos...
Afundo em carcaças e lodo...
Cheiro deletério de desgraças e apocalipse...
Os redemoinhos sussurram sob meus pés,
e assim caminho sobre escuridões líquidas.
Um Messias selvagem,
uma esperança vazia,
um naufrágio anunciado.
Agulhas de gelo em meus ossos vítreos...
Vermelho e negro:
banhado em óleo,
batizado em sangue,
no néctar de meus irmãos predadores.
Sugado junto à imensidão,
o violador de um oceano moribundo...
As correntes gritam meu nome,
os braços da ressaca me apertam cálidos...
Fosca mortalha de esperanças leprosas,
um convite à queda muito implorada,
invocação da milenar delícia do afogamento...
Última oração.
Derradeiro crepúsculo naval.
Netuno tomou minhas mãos,
acariciou minhas asas decompostas,
abriu-me o caminho da tormenta,
estraçalhou o espelho basáltico das águas.
Abdiquei à coroa dos Céus,
despenquei das ilusórias graças,
acolhido nos abismos de qualquer mar,
meu palácio de cadáveres,
meu inferno adorado,
minha fossa prometida,
submerso lamaçal dos primeiros dias...