O relógio marcou vinte horas e a turma começou a comemorar pelo vigésimo minuto de atraso do professor. Alguns estudantes subiram nas mesas e pularam de uma para outra, enquanto outros colocaram a cabeça fora pela janela e cantaram a todo pulmão:
— Ão, ão, ão! O professor Carlos está atrasado!
A sala de aula, em pouco tempo, se tornou em um salão festa, onde os estudantes se orgulhavam pelo fato de não ter aula. Carolina enviou uma mensagem a Joelma, para chama-la de “burra” por ter desistido da disciplina logo após a primeira prova. Walter ligou para uma lancheria e pediu um xis bacon para tornar a noite ainda mais memorável. Alemão e seus amigos empilharam algumas classes para incendiá-las e fazer uma noite de cantoria ao redor de uma fogueira.
No entanto, no fundo da sala de aula, dois estudantes isolados olhavam a desordem completa orquestrada por seus colegas e se indignavam com tamanha demência por parte deles. Jairo, que se mudou de muito longe para cursar Química, lamentava por mais um atraso do professor que o obrigava ver cenas como essa. Por sua vez, Bernardo estava nervoso e repleto pelo desejo de ofender toda aquela horda de dementes com quem estudava.
— Onde se meteu o Carlos, caralho? Ele sempre se atrasa e toda aula dele se torna nessa bagunça.
— O professor Carlos é outro burro. Filho da puta! Filho da puta como esse Alemão demente.
— Dementes todos são aqui, Bernardo.
— Mas o Alemão é o mais demente de todos, Jairo. Faz meia hora que está tentando tacar fogo nas classes e não consegue. Burro! Se tivesse aproveitado um pouco das aulas até então já teria as feito virar cinza.
— Pois é. E ser burro ao ponto de querer tacar fogo nas classes para ter uma fogueira e cantar é bem coisa da Força Vermelha.
— Nem rimas, esses burro conseguem fazer e querem se achar os melhores músicos da universidade.
— É por isso que se faz necessário acabar com o Exército Vermelho o quanto antes.
— A merda é que burros como o Professor Carlos, que deveria ajudar nisso, só fazem burrices.
A porta da sala de aula se abre e um senhor com uma lata de tinta vermelha na cabeça adentra o recinto. A turma inteira calou-se por instantes até caírem numa forte gargalhada. Até mesmo Jairo e Bernardo não resistiram a cena pitoresca e começaram a rir. No fundo da sala, Alemão grita:
— Aí, professor! Entrou de cabeça para o Exército Vermelho?
— Já era, infelizmente. Estou sendo ridicularizado até pelo burro do Alemão. Minha carreira de professor foi para o saco.
Os estudantes, salvo Jairo e Bernardo, que riam da resposta do professor, se revoltaram e saíram da sala aula. Alemão foi seguido por todos até a lancheria em que Walter pedirá o xis e que Carolina marcará para encontrar-se com Joelma. Lá, a turma ridicularizava o professor e o curso, com palavras de baixo calão e analogias baratas. Na sala de aula, restaram Jairo, Bernardo e o professor Carlos, o qual se aproximou dos estudantes.
— O que vocês fazem aqui? A aula acabou.
— Acabou para aqueles burros. Se o senhor quiser dar aula para nós, prestaremos atenção.
— Concordo com o Bernardo. Mas, professor, por que você está com essa lata de tinta vermelha na cabeça?
— Meu Deus, alunos! Essa universidade virou uma bagunça! Estão a pintando completamente de vermelho.
— Mais uma manobra do Exército Vermelho, certamente.
— É a realidade, Jairo. Escutei da secretária do centro de Química que a reitoria recebeu uma oferta de uma empresa de tintas depois que a universidade fez um anúncio em uma rádio.
— Na Rede EAIEUI, aqueles filhos da puta?
— Que linguajar é esse, Bernardo?
— Desculpe-me. Às vezes, me exalto.
— Percebi. Vai se conformando que você vai ao inferno quando morrer. Mas foi, sim, na Rede EAIEUI. O que tem ela?
— Essa rede, professor Carlos, é a principal fomentadora do Exército Vermelho.
— Não fale besteira, Jairo. A Rede EAIEUI é isenta.
— Isenta é essa lata na sua cabeça.
— O que você disse, Bernardo?
— A propósito, professor Carlos, por que você chegou novamente atrasado?
— Está feio para os meus lados, Jairo. O diretor do centro me chama para a sala dele antes de todas as aulas para me mostrar os números dos outros professores.
— E como eles estão?
— Estão muito mal, de repente só o professor Eurico esteja melhor que eu.
— O professor Eurico, aquele burro que veio da Sibéria, está melhor que você, Professor Carlos? Está feio é para os nossos lados, isso sim.
— Meus Deus, estou sendo espezinhado pelo Bernardo. Mesmo você sendo um dos meus melhores alunos, é vergonhoso. Mas chega de papo. Vocês podem ir.
— E a aula?
— Não tem aula, Jairo. Infelizmente, já era por hoje.
Os estudantes saíram da sala aula muito contrariados, pois, novamente, não tinham tido aula e pelo motivo que tanto lhes incomodavam: o Exército Vermelho estava cada vez mais forte, a ponto de manipular decisões dentro de universidades. Jairo sugeriu a Bernardo em irem ao bar Azul Celeste, o qual era localizado distante de todos os bares badalados das redondezas da universidade. Ao chegarem lá, se depararam com o bar vazio, com mesas empilhadas e cadeiras viradas. Num primeiro momento, eles ficaram felizes em ver o lugar só para eles, sem nenhum demente incomodando e pedindo música ruim. No entanto, logo perceberam que o bar assim estava por conter a filosofia da Força Azul de funcionar.
Aos passos lentos em direção ao balcão do bar, Jairo e Bernardo lembraram-se das noites em que o espaço estava repleto de pessoas. No fundo das conversas animadas, as quais aconteciam num tom de voz médio e calmo, escutava-se músicas clássicas dos anos 1980 e 1990. O consumo de álcool e alimentos era moderado, embora existisse várias exceções, pois as pessoas que seguem a filosofia da Força Azul, e que compõe o Grupo Azul, agora chamado de Exército Azul, gostam de aproveitar o momento de forma tranquila, o que garante que suas atividades no dia a dia não sejam comprometidas por excessos.
No entanto, inúmeras pessoas começaram a migrar da Força Azul para a Força Vermelha, devido ao apoio da Rede EAIEUI. O Exército Vermelho, cada vez mais populoso, promete uma vida de fartura às pessoas, as quais se comprometem em lutar pela causa. Em pouco tempo, essas pessoas tem uma leve evolução na qualidade de vida e no poderio financeiro, o que as faz se perderem na soberba e arrogância. Assim, tudo que funciona pela filosofia da Força Azul vem sendo abandonado. Muitos bares se adaptaram à nova realidade e oferecem aos clientes do Exército Vermelho um lugar extremamente badalado, o qual maximiza o poder de ostentação e os permite viver segundo sua filosofia.
Bernardo pega dois bancos e os coloca próximo ao balcão, enquanto Jairo pede uma cerveja artesanal e uma porção de torresmo. O único funcionário do lugar os atende com um belo sorriso, mas logo se retira para continuar a faxina que realizava.
— Temos que agir, Bernardo. Olha o estado desse bar.
— Está uma merda, tal como a situação do professor Carlos.
— O Carlos, coitado, sempre naquele tom pessimista, não tem como não ser engolido pelo Exército Vermelho. Até a Universidade está migrando para lá.
— Filhos da puta! Temos que ser mais incisivos. Como está, nós vamos ser levados para a casa dos burros dementes e seremos obrigado a dividir a cama com as mães deles.
— Porra, Bernardo. Às vezes, você se puxa, hein? Que merda!
A dupla ficou ali por mais duas horas. Discutiram sobre tudo que vivenciaram no dia e como o Exército Vermelho vinha agindo para ganhar cada vez mais força. Gostariam de ter ficado mais, pois, além da comida e a bebida, a conversa estava boa, no entanto, por ser tarde e o bar estar praticamente vazio, foram convidados a se retirarem. Assim, Jairo e Bernardo decidiram que aprofundar essa conversa era necessário, principalmente com seus demais amigos.