Um tempo curioso, a adolescência
“Pena verde, no chapéu, deu-me sorte, ela caiu do céu”
O menino calado, gordinho, com talento para música (coisa que ninguém da classe sabia), escolheu este trecho de uma antiga canção para escrever “detalhes sobre si” na aba “sobre” do Facebook. Como foto de perfil escolheu uma folha verdinha do tomateiro da varanda que ele mesmo plantara, e fotografou. No nome de usuário, ele colocou Dumbo.
Os coleguinhas de classe, lendo que ele frequentava a oitava A, percebendo que ele compunha músicas interessantíssimas sobre o cotidiano da classe, algumas cômicas, outras filosóficas, clicavam frenéticos “likes” em sua página e perguntavam-se, curiosos, a identidade do misterioso avatar.
Dumbo, na página pública, divertia, instruía, aconselhava… e no inbox recolhia os segredos e angústias de todos, consolava, sugeria e demonstrava simpatia. Até mesmo a sedutora Camila entregou o coração ao misterioso amiguinho, e insistia em um encontro real.
Dumbo foi levando o anonimato até o dia do encerramento das aulas, onde prometeu revelar-se no karaokê aonde todos iriam depois da aula. Na véspera, enviou um ramalhete de rosas amarelas para a linda admiradora, confessando ser tão indesejável como Cyrano de Bergerac, já que ela era culta, lia muito e iria entender a alusão.
A classe, alvoraçada, riu muito, quando alguém sugeriu que o talentoso Dumbo fosse o garoto gordo e calado. No entanto, para surpresa geral, Jorge (esse era o nome do garoto) subiu ao palco, perdeu a vergonha, cantou, tocou seu violão e encantou a todos com piadas inusitadas e ditos inteligentes.
Nesse ano suas férias foram agitadas. Passeou todos os dias com grupos de outros meninos, frequentou o clube, andou de bicicleta, jogou futebol e até aprendeu a dançar.
Hoje, sua foto de perfil no Facebook é seu rosto mesmo, embora o nome de usuário continue Dumbo, seja pelo apego tão peculiarmente masculino a sobrenomes e apelidos, seja por lealdade àquela pessoinha meiga por tanto tempo oculta atrás do peso e do silêncio.