Em sua cama o jovem começava a imaginar e ouvir vozes em sua mente. A sensação de ser vigiado lhe incomodava a ponto de lhe fazer suar.
Após os últimos acontecimentos, deixou de ser tão frequente a escola. Abandonando até seu posto no grêmio estudantil.
Em casa o clima não era diferente. Ainda se recordava com perfeição a expressão de desespero de sua mãe ao vê-lo destruir o espelho do banheiro, deixando ao chão sangue e estilhaços.
- Eu só quero um pouco de paz, mas imagino que esteja querendo começar outro jogo. – dialogava sozinho enquanto se remexia na cama. – Não resta muito a tirar de mim. Por que sou eu que devo sofrer com tudo? – indagou, logo sorrindo. – Porque ninguém acreditaria em mim. Simplesmente... A prova disso sou eu estar sozinho nesse lugar.
As janelas sempre fechadas. Trancado em seu próprio quarto, se recusava a atender até aos apelos de sua mãe para voltar a se socializar, buscar por ajuda.
Uma tentativa inútil de se proteger de seu tormento. Mas como afastar-se quando dividem o mesmo corpo?
- Quantos ainda irão me acusar por algo que não fiz? O problema é que também não sei como provar minha inocência... Quando foi que enlouqueci?
Vivia perdido em pensamentos, sem saber quais realmente lhe pertencia.
Era comum perder a consciência por alguns instantes. Não se lembrar de como chegou a alguns lugares. Se encontrar com algo que não lhe pertencia.
- Querido... – a voz receosa de sua mãe a porta clamando por atenção. – Tem alguém que gostaria de conversar. Tudo bem? – não houve resposta da parte do jovem. – Tem certeza que pode conseguir algo? – ainda podia ouvir a conversa, colocando-se sentado a beira da cama e mantendo seu silêncio.
- Preciso tentar pelo menos. – mesmo ao som da voz de um estranho manteve imutável.
- Como desejar... Destrancarei a porta para o senhor, reverendo. – receosa, destrancou a porta aguardando os protestos e gritos do filho, mas tudo seguiu em silêncio.
- Obrigado. – o senhor, aparentando certa idade, agradeceu adentrando o quarto. – Por que manter o ambiente tão escuro? – indagou apenas recebendo o silêncio do vulto sobre a cama – Posso acender as luzes? – ainda sem resposta buscou pelo interruptor. – Assim está melhor, não acha? – continuava tentando arrancar alguma palavra do jovem que agora conseguia vê-lo o encarando. – Podemos conversar um pouco?
- Como quiser. – apenas deu de ombros cedendo por um momento. Não era a primeira vez que sua mãe trazia algum estranho para tentar lhe arrancar a verdade. A questão que já não se importava, sabia que seria apenas mais um a não acreditar. Não veria nada. Seria dado como louco outra vez. – É a primeira vez que fico tão próximo ao padre.
- Então... Adrian, certo?
- Acho que sim... Não me lembro de ter perdido a consciência nenhuma vez hoje. – respondia com o olhar perdido em algum ponto distante. – Ainda continuo nesse quarto afinal.
- Perdeu sua identidade?
- Há tempos.
- Conte-me quando isso começou.
- Por que a vossa excelência acreditaria na minha história? Nem meus pais acreditaram. Preferem trazer estranhos para cá como se isso fosse ajudar. Olhe para o que apelaram agora.
- Tente...
- O quão intenso acredita que possa ser um sonho? Já sentiu medo de dormir e não saber mais quem realmente é? – começou a contar sua história. – Acordar sem saber como chegou a tal lugar. Mas aquela voz ainda ecoa direto em minha mente.
- Voz?
- Alguém se esconde dentro de minha mente, estamos unidos. – prosseguiu. – Antes era apenas alguém que tive como amigo durante toda minha infância, que tomava meus medos. Porém agora disputamos pelo controle.
- Diz como um amigo imaginário?
- Ele é real! – exaltou-se, perdendo sua personalidade por alguns instantes. – Minha alma gêmea, quem cultivei e deixei crescer sem preocupações, agora se revelou como inimigo.
- Posso falar com ele?
- Não finja acreditar em mim. – sorriu irônico. – Ele não quer falar com alguém como o senhor. Não quer confirmar minha história. É mais favorável fazer eu me passar por louco.
- E quem é ele?
- Ele sou eu, porém eu não me pareço nada com ele. Não mais.
- Um distúrbio de personalidade...
- Acredita mesmo que sou o verdadeiro Adrian?
- Sua mãe me contou sobre como você costuma ficar agressivo em frente a espelhos. Que já se machucou.
- Eu não gosto de vê-lo em mim. As pessoas não veem a diferença entre nós, mas eu sinto cada investida contra meu controle.
- Isso é apenas um transtorno. Não existe outro. Podemos tratar disso...
- Olhe bem para mim! – interrompeu o discurso daquele senhor. - Não há apenas você e eu aqui. Nenhum psicólogo pôde fazer algo. Não se ache especial.
- Eu não vejo nada além de alguém precisando de ajuda para conter o próprio ego. Notei nessa breve conversa mudanças de humor repentinas. Indiferença, fúria, calma.
- Já entendi... Então esse será o novo jogo... – sorriu maliciosamente. – Acha que pode me “curar”? Então vá em frente. Mate esse meu “eu” antes que ele lhe atinja.
- Não dizia ser inocente?
- Em minha escola aconteceu um caso de alunos em estado de coma. Pessoa das quais não gostava, porém nunca tive força ou intenção de revidar. Eu não fiz nada, mas estava lá em meio ao acidente. Em pânico, porém diziam ter me visto sorrindo. – passou a relatar – Houve casos menores onde eu sempre estava presente, sem saber como havia chegado ao lugar. Por isso preferi me afastar de tudo. Agora não posso garantir a segurança de quem se atreve a se aproximar achando poder me “ajudar”.
- Eu não sou psicólogo. Mas se isso for caso de algum espírito ruim...
- Acha que pode expulsá-lo desse corpo? – interrompeu novamente rindo. – Eu sou meu próprio demônio. Eu posso matá-lo a hora que desejar, porém não quero. Estamos unidos. Não quero causar minha morte também.
O silencio se instalou no quarto. Apenas uma troca de olhares e a hesitação do senhor.
- Eu vou estudar seu caso e voltar a falar com sua mãe. – disse quebrando o silêncio. – Não podemos deixar esse caso continuar.
- Vai tentar me internar como outros já tentaram? Boa sorte.
- Espero poder falar com Adrian a próxima vez que vier aqui. – finalizou deixando o quarto da mesma forma que entrou. Fechado, porém manteve a luz acessa.
Novamente sozinho o rapaz se permitiu sorrir, podendo retomar seu monólogo.
- Você fez de novo. – seu semblante entristeceu de repente. – Tomou meu lugar. – em um longo suspiro passou a encarar a própria sombra que ganhava forma. - Sou considerado louco, mas não estou sozinho. – falava com o vulto a sua frente, tendo apenas o silêncio em resposta. – Nunca te dei um nome, É por isso que passou a me odiar? – podia enxergar o vulto sorrindo. – Algo que aprendi com o tempo que passei com você... O sorriso é a mais bela demonstração de sua insanidade. E é exatamente isso que levará as pessoas ao delírio... Minha mente não resistirá por muito tempo...