no inferno, temos rosas
(ato 1)
eu poderia leva-lo ao inferno, e chegando lá
apresentar-lhe-ia as rosas negras, almas negras de olhos vermelhos,
águas negras como meu coração negro
lágrimas negras escorrendo dos meus olhos rubros de bebida
- a mesma que eu lhe ofereci e você sabiamente recusou.
eu poderia leva-lo até o meu quarto, e uma vez na sacada
dir-lhe-ia o quanto o pálio estrelado é belo
e ficaria ainda mais belo com nosso sangue jorrando da lua
(estou brincando, amor, meu humor é negro como café)
então beijaria seus lábios avermelhados e cairia nos braços de Morfeu
eu poderia descender o caminho do Tártaro ao seu lado
você cantaria suas músicas folk e eu o puxaria para uma dança
bailaríamos por entre as almas dos condenados
eu colheria uma rosa do jardim de Perséfone e a daria a você
porque o meu inferno é dicromático contigo
(e as rosas são da cor dos seus olhos esperançosos)
no paraíso, temos vodca
(ato 2)
deitado onde termina a falésia e começa o mar
sua paz angelical é o que me faz querer continuar vivendo
minha egéria, minha musa, minha flor de lótus
(eu o amo como as estrelas amam a lua, achei bonito recitar)
o som do seu sorriso é mais belo que meus pensamentos
ouvimos jazz industrial como quem ouve Mozart
meu sangue, suor e lágrimas não têm importância,
porque você está ao meu lado, e eu posso ser eu mesmo
dançando e tropeçando em meus cadarços desamarrados
cantando em belga e beijando como um amante italiano
vemos filmes em preto e branco com sorvete de flocos e menta,
é a única forma de mostrar quem eu sou realmente:
essa pessoa quebrada e distorcida
(mas que você consegue amar)
como é capaz de amar sem romantizar uma doença?
nosso inferno será repleto de rosas brancas, negras e rubras
nosso paraíso será composto por Liszt e água gaseificada
nosso purgatório será o território lunar
nossa causa mortis será minha depressiva condição
nosso amor será abençoado por nós mesmos
no fim, espero que fique
(ato 3)
seus dedos de violinista percorrem meu corpo
não como o psiquiatra que me examina
ou o psicólogo que me sorri
muito menos o psicanalista que me dá medo,
mas como meu amante mais amado
eu sei que é difícil para você
eu sei que é difícil para mim
mas no fim, espero que fique,
porque não sei o que faria
sem alguém para me compreender por inteiro
(porque é assim que você é:
compreensivo até com quem não merece.
e se o céu e o inferno resolverem nos separar,
espero que meu outro eu o proteja,
porque estarei ocupado demais abrindo caminho para nossa fuga)