A chuva caía livremente do lado de fora enquanto cansados e tristes globos oculares de tons distintos a observava. Eles captavam um mundo onde nada parecia ter cor e apenas tons de cinza eram percebidos; cada detalhe que os orbes de cores diferentes absorviam, uma pontada de dor atingia o rapaz que estava sentado na cadeira do psicólogo. Para ele, tal agonia não era fácil de ser explicada, tampouco entendida.
Acabara de perder duas pessoas importantes para sua vida: dois meses antes sua mãe falecera, vítima de uma terrível doença – por conta disso, acabara indo morar com sua tia. E, agora, três dias atrás, terminara um relacionamento de dois anos. Um relacionamento que tinha tudo para dar certo e que, naquele momento de luta e dor, era o que o mantinha em pé, firme e forte.
— Responda-me, Will. Você está tomando seus remédios como foram receitados? — A voz do psicólogo ressoou pela sala.
— Sim, senhor. — O rapaz respondeu, automaticamente.
Mentira. Ele não estava e se recusava a ser dependente de antidepressivos. E, além do mais, ele não precisava. Cristina estava sempre ao seu lado, apoiando-o, amando-o e tirando-o do fundo do poço mais vezes do que ele gostaria. Ou, pelo menos, ela costumava fazer tudo isso...
— Doutor, quais são as chances de um cara como eu sair dessa? — Perguntou, repentinamente, passando a olhar para o médico. Os olhos, um azul e o outro mel, passavam uma mensagem de desespero.
Desespero esse que apenas certa pessoa conseguiria extinguir de seu ser.
— Ora, meu rapaz! As chances são imensas, basta você tratar de se cuidar! — Respondeu o homem de meia idade, tentando passar confiança para seu paciente.
Will apenas balançou a cabeça, numa afirmativa desanimada. Fechou os olhos e respirou profundamente. Pensava em muitas coisas, desde as mais mórbidas até ao sorriso de sua amada ruiva. Ah, o sorriso dela... Apenas ele era o suficiente para que seu dia se tornasse o melhor de todos, mesmo com todos os problemas que enfrentava.
— Escute, Will. Você é capaz de sair dessa, se você desejar sair. — E o médico começou a falar um monte de abobrinha motivacional que, naquele momento, Will sequer estava ouvindo.
Então, num impulso, o rapaz levantou da poltrona e saiu da sala do psicólogo, deixando-o falar sozinho. Atravessou o consultório todo, ignorando todos os funcionários que o chamavam e saiu para a chuva. Em segundos, ele estava completamente encharcado. O cabelo liso e amendoado caia por cima de seus olhos, pingando incansavelmente.
Seus pés começaram a conduzi-lo pelas ruas enquanto carros passavam correndo de seu lado. Alguns, faziam poças de água e lama esquiçarem no rapaz, porém, Will apenas ignorava. Ele tinha que tentar mais uma vez, antes de simplesmente desistir.
— Eu preciso de um arco-íris e de um sol para esse mundo cinza... — Sussurrou para si mesmo durante a corrida.
Um trovão balançou os tímpanos do garoto no mesmo instante em que um relâmpago iluminou o céu tempestuoso. Ele lembrou-se de como Cristina tremia em dias assim; ela odiava chuva. Tal lembrança o fez sorrir e sentir saudade de tê-la em seus braços enquanto a ouvia dizer que sentia-se protegida neles.
— Cristina! — Gritou quando parou em frente a uma casa alaranjada. — Cristina, por favor, apareça!
E esperou, ofegante e com o coração quase explodindo para fora de seu peito. Estava inquieto, andando de um lado para o outro, tentando afastar a água de seu rosto, porém, sem muito sucesso. Colocou-se de costas para a casa, com as mãos cobrindo os orbes heterocrômicos.
— Will...?
A voz doce e suave de Cristina fez o garoto se arrepiar por completo e ficar sem reação. Ficou parado, do mesmo modo que estava, embaixo da tempestade.
— Will, o que está fazendo aqui? Está louco? Pode pegar uma pneumonia aí fora! Entre e espere um pouco aqui no corredor, eu vou pegar uma toalha para você se secar. — A garota continuou a falar, passando a ter certo tom de preocupação.
Percebendo que ele não se movia, Cristina avançou até ele e, no exato momento em que tocou-lhe o braço, Will virou-se e a agarrou, beijando-a como se fosse a primeira vez. E, de fato era. O primeiro beijo dos dois embaixo de chuva.
Ao se separarem, a garota sorriu. Sorriu do modo mais terno e caloroso, enquanto levava a mão para o rosto dele. Em seguida, segurou a destra dele, puxando-o para dentro de casa.
— Louco. — Ela sussurrou. — Venha, temos que nos secar. E vou preparar chocolate quente também, para tomarmos enquanto assistimos algo.
— Mas nós precisamos conversar direito...
— Shhh... Não diga nada. Aquilo tudo passou e eu estou aqui agora. Eu iria passar na sua casa depois, mas... Você foi mais rápido. — Cristina riu baixo. — Desculpa por... Ter perdido a cabeça e brigado com você... Eu...
Ela foi interrompida por outro beijo, dessa vez mais breve e suave.
— Não vamos ficar falando do passado, só... Prometa-me que nunca mais iremos nos separar... — Sussurrou Will.
— Eu prometo.
E então, aquele mundo cinza de Will, aquela dor que ele sentia no peito, começara a passar. Não por completo, mas as cores do arco-íris estavam aparecendo e o calor do sol já poderia ser sentido.