Todos os dias ele acordava cedo, junto com o sol, antes mesmo da mãe chegar, e abria as janelas do casebre pra facilitar a entrada da luz. Fervia a água do café no caneco de alumínio e um pouco de leite na panelinha de ágata lascada. Torrava um pedaço de pão dormido pra comer com manteiga e depois descia o morro pra fazer a entrega de jornal pelos bairros vizinhos. Ele sabia que a vida não era fácil e que precisava ajudar em casa, colaborar com o dinheiro dos livros e cadernos. Depois da entrega, voltava pra casa e tomava um banho. A mãe já havia chegado essas horas e descansava da jornada de trabalho. No prato, pro almoço, às vezes um naco de carne, e na maioria dos dias apenas arroz, feijão e ovo… Mas ovo só quando a galinha, já cansada de tanta vida, conseguia colocar.
Depois do almoço, catava as poucas sobras e dava pro cachorro. Um banho e lá ia ele, apressado, morro abaixo mais uma vez. Na escola se destacava: era o aluno com as melhores notas, desde o português até a matemática. Sabia que precisava estudar, sabia que precisava saber. De poucos amigos e poucas palavras, se dedicava aos estudos em busca de um futuro bem melhor que seu passado. Surpreendia aqueles que nada esperavam dele, mostrando que estudo e conhecimento não era artigo de luxo. Vez em quando era chamada sua atenção devido a um ou outro desentendimento com os moleques que o ofendiam, que falavam mal de sua mãe. Porém, nada que atrapalhasse seu desempenho ou o fizesse recuar na vontade de ir além.
Depois da escola, subia o morro. Em casa, encontrava a janta pronta e a mãe já desperta, prestes a sair pra trabalhar. Sentavam-se os dois à mesa, ainda cedo, quase noitinha. Um Pai Nosso pra abençoar a comida fresca e o suco de caju aguado. Depois da janta, sem sobremesa, acompanhava a mãe até a porta: era chegada a hora dela trabalhar. Levava a mãe até a frente de casa, lhe tascava um beijo babado na bochecha e um abraço apertado, sabendo que só a veria novamente no dia seguinte. Nessas horas, depois que a mãe partia, lá do alto do morro ele a via descer. Via também a luz vermelha iluminando a fachada do estabelecimento que a acolhia todas as noites. Sentava-se na soleira da porta, afagava o cachorro e chorava bem baixinho pra não incomodar ninguém.
Não guardava rancor, não nutria mágoas, não tinha vergonha. Não era o filho da puta. Era um filho de puta, e buscava fazer dessa realidade algo mais sereno e menos real que a própria realidade.