Escute, moça, o quão fantasiosa sua mente pode ser? Se eu te disser o quanto ela é poderosa, você acreditaria em mim? Se eu pedir sua mão em casamento e dar-lhe um anel de nódulos de tecido verde você fingiria que é jade incrustada? Se eu disser que amo suas palavras e disser que sua voz parece a de uma serpente, você traduziria como elegância e um certo humor venenoso?
A gente pode dançar embaixo do pôr do sol, catar estrelas, deitar na grama, entoar versos, vivenciar poesias, inalar pó lunar, cultivar flores, seguir a névoa, espalhar poças d’água, fazer castelos de terra, correr na copa das árvores, mastigar folhas de plantas caducifólias, desenhar nas nuvens, encarar a areia enquanto ela marca nosso tempo escasso, trocar letras, formar neologismos, criar vocabulário próprio, apanhar vagalumes, sentir na pele sentimentos humanos e, no fim do dia, tocar a energia corpórea exalada chamada de calor humano, ternura, fio solar e harmonia.
Eu ficaria de pé no meio da Praça da Sé com um ukulele em mãos e coroa de flores prendendo precariamente meus cabelos castanhos, olhos agudos observando as pessoas irem e virem de suas vidas operarias, vez ou outra depositando uma moeda ou cédula de pouco valor na capa do meu instrumento, e teria lábios trêmulos de medo de cidade grande, ansiosos por vê-la chegando com seu vestido de margaridas e sorriso de fada.
Eu lhe empresto minha neblina, você me empresta sua metafísica, somos duas almas vagueando pelo mundo intergaláctico com pétalas nas vestes e um sorriso pintado de rosa e amarelo em nossos rostos, a cor da admiração que sinto por você e que consegue provocar um rasgo no tecido finíssimo da realidade, proporcionando-nos passagens de primeira classe para uma viagem a Sabe-se Lá Onde.
Subimos juntas no trem.
Você me ouviu, moça? Quão fantasiosas nossas mentes podem ser?
Talvez deitadas no asfalto riscado de giz e batom seja o máximo que a realidade nos presenteará por agora. Talvez apenas viajando para a casa da minha avó na Praia das Castanheiras seja o bastante para nossa mente ser criativa.
Então, o que me diz, quer me acompanhar?