Acordei com um odor mefítico. Abri os olhos devagar saboreando um gosto de sangue velho em minha boca, engoli e tentei mexer os braços. Com o som de correntes batendo, eu me lembrei de tudo que estava ocorrendo – e me assustei ao imaginar o que iria certamente acontecer. Eu havia sido sequestrado. Estava voltando do trabalho para casa, eram cerca de meia noite e a rua estava mais deserta que de costume, visto que chovia forte o suficiente para qualquer pessoa preferir ficar em casa. Caminhava apressado evitando o máximo que podia poças de água e foi quando olhei para trás. Uma figura surgiu abruptamente de uma coluna e golpeou-me no rosto. Perdi a consciência ali mesmo.
Tentei falar qualquer coisa, mas minha boca esta selada com algo. Um arrepio surgiu em minha espinha e transformou-se em medo quando olhei minha situação. Eu estava nu, dependurado pelos braços por correntes grossas o suficiente para nem um touro se livrar. O lugar se assemelhava a uma caverna. Era úmido e muito escuro; a única fonte de luz – tímida – vinha de uma pequena vela sobre uma mesa velha. Sacudi-me nervoso. Nada de bom aconteceria. Olhei ao redor o máximo que pude e tomei um susto quando vi sentado perto da mesa uma figura sombria. Rezei para que fosse um demônio, mas era uma pessoa – para minha completa desgraça. A figura vestia um manto preto que cobria seu rosto e todo seu corpo. Suas mãos estavam enluvadas e seu rosto estava envolvido por uma touca ninja. Morreria sem nem saber sequer o autor.
Não tive tempo suficiente para aceitar minha morte, pois o homem (ou mulher, não sei) levantou-se da cadeira me olhando com interesse. Parecia ter me esperado acordar pacientemente. Depois de rodear-me, ouvi um estalo. A pessoa estava a estalar o próprio pescoço, como quem está a se preparar para um trabalho difícil. Caminhou lentamente até a mesa e de lá abriu qualquer coisa – não conseguia ver quase nada naquela escuridão – retirando um objeto perigoso. Senti minha pupila dilatar de medo e forcei-me a não chorar de desespero. Em suas mãos estavam uma faca afiadíssima o suficiente para cortar até pensamenos. Como eu sei disso? Simples, senti na minha própria pele.
A faca penetrou com precisão o meio das minhas costelas cortando de cima a baixo com devera rapidez. Quem quer que seja estava habituado com tal ação. Gritei, urrei como um animal a ser abatido, mas nada disso foi suficiente para fazer com que a pessoa parasse. Com calma, depositou a faca sobre a mesa e tornou a mim. Senti o toque das luvas emborrachadas bem nos ossos a separar com brutalidade aquilo que um dia foi meu tórax. Como eu estava acordado com tanta dor? Havia uma seringa presa ao meu braço direito que provavelmente depositava drogas que empediriam que a diversão do ser terminasse. Eu iria suportar aquilo tudo acordado. Ele tirou até meu direito de desmaiar.
Urrando de dor e tremendo como um animal repugnante olhei para baixo. Pude ver partes dos meus órgãos internos trabalhando. Que visão desesperadora. Olhei pra cima buscando os olhos da pessoa para implorar por misericórdia, mas o que vi foi uma pessoa preocupada. Sim, ele estava, ou ao menos parecia, preocupado comigo – ou deveria dizer com o tempo de vida que me restava? Estava com uma mão abaixo do queixo aparentando pensar. Foi então que caminhou até mim e livrou-me das correntes. Cai no chão sem forças, sangue que eu perdi já fazia falta – e nem vou mencionar o fato de estar com os ossos separados. Emitia sons de desespero enquanto me arrastava num chão que fedia ao meu próprio sangue. Foi quando senti correntes a prender meus pés e pulsos.
Fui novamente elevado, mas dessa vez estava de ponta a cabeça. Fui banhado e quase engasguei com meu próprio sangue e algumas vísceras. Pena que não morri com isso. A pessoa aplicou duas agulhadas em mim. Uma em meu pescoço e outra em minha perna. Senti algo entrar nas veias. Com dificuldade, pisquei os olhos para meu sangue livrar minha vista e deixar-me enxergar, olhei para o lado e vi que sangue passava para o meu pescoço. Que sádico. Ele não queria que eu morresse de tanto perder sangue, mas para a minha felicidade, na situação que eu estava, ainda assim não viveria muito. Torci para o tempo passar rápido. Tinha que passar, eu queria morrer logo. Me debati como pude, a dor consumia-me de tal forma que uma nova palavra deveria ser criada para representa-la. Urrei em profundo desespero ansiando pelo toque gentil da morte que me levaria para uma situação melhor, mas o que senti foi uma mão emborrachada a envolver meu coração. Apertou-o, divertiu-se com ele o quanto quis e então, quando enjoou, arrancou-o com brutalidade. Só pude ouvir os estalos das artérias se partindo. Sequer dor senti, foi tão rápido. Vi meu próprio coração batendo na mão escura daquele ser. Virou as costas e caminhou para não sei aonde. O que ele faria com meu coração? Tive alguns segundos para imaginar e logo tudo se fez escuridão.