A lâmina de sua espada corta as pétalas rosadas como se não fossem nada. Elas dançam no ar em meio às árvores como os dedos da filha da governanta dançando pelo cravo, tocando a melodia mórbida da saudade.
A lâmina da sua espada deseja ser a mais forte, deseja ser capaz de cortar até a mais fina das folhas para ser capaz de proteger a casa que o abrigou, a mulher que lhe sorriu e o homem que lhe acolheu. Deseja ser capaz de proteger também aquela que não tem mais esperanças de lutar para viver um dia mais.
A lâmina da sua espada corre pelos campos floridos e por vilarejos vazios, deflorando tudo o que está em seu caminho para encontrar um antídoto para uma rara doença. Ela deseja ser capaz de atravessar o corpo e ceifar da alma o mal que assola o sorriso mortificado de quem costumava compor belas melodias.
A lâmina da sua espada encontra-se com outra lâmina semelhante, ambas coreografando uma luta mortal que decidirá o futuro daquela que agora tosse um líquido vermelho e espesso, manchando os lençóis antes imaculados e pingando na pele mais pálida que a lua crescente. Ambas tinem, fazendo ressoar um agudo capaz de ensurdecer os ouvidos mais sensíveis e fazer chorar o mais controlado dos maestros.
A lâmina da sua espada termina o combate com um floreio, cumprimenta a outra que se apoia na terra ressecada e logo retira do solo infértil o que tanto procura. A raiz que só se desenvolve do outro lado do continente agora está guardada entre a bainha e o interior da frouxa blusa que veste, sacudindo com o movimento do cavalo que cobre grandes distâncias com o fôlego de uma tempestade.
A lâmina da sua espada voltou isenta de sangue, a lâmina contra a qual lutou agora o segue pela entrada do terreno, sussurrando que, se a profusão da raiz não for feita do modo mais rápido, o mal venceria o combate dentro da alma daquela que toca sua provável última sinfonia no cravo.
A lâmina da sua espada vibra com o toque delicado de composições originais, o doce tom da saudade, a amorosidade contida em teclas manchadas aqui e acolá de sangue na ponta dos dedos, o desespero de ver o tempo passar a cada tosse, a cada piscada, a cada nota que se sobressai em uma melodia tristonha e quase sem esperanças. A luta continua, e quando a profusão emite o sinal de que está pronta, o detentor da outra lâmina a rouba de suas mãos trêmulas e diz que, caso não se acalme, o estado da doença só agravará.
A lâmina da sua espada reflete seus temores. Ambos sobem as escadas, passando pela governanta e pelo senhor, rumo ao quarto onde as notas por fim de desvaneceram. Deitada ao lado do cravo, sobre o piso coberto por almofadas coloridas tingidas da coloração sufocante de carmim, estava aquela que transmitiu um sorriso fraco antes de fechar os olhos e recusar-se a tomar o antídoto conquistado com tanto afinco. Ela havia desistido de lutar, contudo, não por vontade própria.
A lâmina da sua espada sentiu os grãos de areia escorrerem da ampulheta psicológica posta no cômodo. Ela libertou-se da bainha e ultrapassou aquele que segurava a profusão, prostrando-se ao lado de quem estava adormecida no chão e erguendo-se acima de seu corpo. Como uma folha prateada, tão fina quanto as pétalas rosadas do jardim ou a película que separava o corpo da substância extracorpórea que emanava daquela deitada, a lâmina desceu e delicadamente cortou os laços do bem e do mal que se interligavam dentro do cômodo.
A lâmina fez um talho profundo na alma, expeliu o que a afligia e purificou-a, logo enterrando-se no piso de madeira e permitindo que seu dono libertasse lágrimas salgadas. Os pontos salinos tocaram as vestimentas coloridas de quem agora abria olhos de um exótico tom violáceo, sorrindo fracamente e acariciando o rosto contorcido de alívio e dor. Ela esticou os braços magros e ergueu-se abraçando aquele que ainda digeria o que acabou de acontecer.
A lâmina da sua espada salvou quem mais almejava proteger. Seus braços rodeiam agora quem cheira novamente a vida, flores e notas doces tocadas em uma tarde de treinamento. Sua boca toca as maçãs outrora de um pálido luar e sentem o calor que emana de sua face corada. Seus olhos estão presos no sorriso antes desesperado, e agora aberto de gratidão.
A lâmina da sua espada não mais perfura flores, mas atravessa almas e cura aqueles que lutam por suas vidas. Ela volta para a bainha sem um fio arranhado ou manchado de rubro, brilhando como a outra lâmina companheira que a acompanhava em suas longas viagens e desejando sempre retornar para a casa recheada de melodias e bálsamos suaves. Ambas concordam que ver um sorriso voltar a lábios antes sem fé é mais gratificante que qualquer luta sem valor agregado que arranjariam trilhando as más estradas.
As lâminas das espadas lutam em prol do sonho de viver uma vida plena ao lado daqueles que amam, e, no momento, apenas isso é suficiente.