Senhor,
eu posso me apaixonar por você?
Acredito que o pedido é inusitado e um tanto súbito, no entanto, dê-me uma resposta o mais rápido possível. Alguém como eu, que nunca soube o que era manter uma conversa por mais que alguns minutos, conversar com você é tão inacreditável.
Eu observo seus passos e admiro seus trejeitos e tenho tanta inveja dessa sua facilidade de se comunicar. Eu tenho ciúmes dessas pessoas que se aproximam de você, pois sei muito bem que eu não serei uma delas.
Amor, ah, o que é amor? O que eu sinto por você?
Eu posso sentir algo por você?
Esse sentimento intrínseco é tão bom. Ele borbulha no meu estômago e aperta minha garganta e faz minha cabeça derreter. Ele me deixa ansiosa e me faz sorrir. Esse sentimento me faz sorrir.
Não lembro qual foi a primeira vez que o vi, mas desde então, cada vez mais forte, meu peito se aperta e sinto receio do que essa pressão fará com meu corpo, com minha mente. Sentimentos deveriam ser um pouco mais convenientes, aparecendo apenas quando não há perigo de afetarem a vida cotidiana.
Paixão, essa emoção é tão somente uma platônica atração ou algo mais abstrato?
Qual o nome do que sinto por você?
Espero que na primeira vez que nos falamos eu não tenha parecido tão estranha. Hoje em dia, cada vez que você se aproxima fico vermelha, começo a gaguejar e peço licença para checar os livros ou fazer qualquer coisa que me afaste de sua figura.
Então, por favor, o senhor permite que eu me apaixone?
Prometo não fazer nada demais, pode continuar escrevendo cartas para a menina da outra sala, compor músicas no seu violão centenário ou até mesmo desenhar as folhas das árvores outonais com ares de enamorado. Ficarei o observando como sempre, quieta detrás das lentes grossas de óculos que não faço questão de abandonar, escondendo meu embaraço com suéteres grandes demais e palavras escritas com caligrafia desajeitada.
Escutarei seus cumprimentos quando adentrar na sala, respondendo-o com um sorriso simples e formulando uma conversa imaginária que nunca chegará a minha voz por pura introversão. Assim, pouco a pouco, verei nosso companheirismo de biblioteca esvaindo-se pelos meus dedos como água do mar, enquanto você se liberta do estereótipo antissocial de quem lê muito e finca seus pés no mundo real, e eu fico sentada atrás da estante com medo demais de exprimir o que sinto.
Por que sempre temos que romantizar as coisas? Uma pessoa introvertida não chama atenção como acontece nos livros e nos filmes, é uma tragédia cujo desfecho é tão conhecido que chega a ser cômico.
Ainda assim, eu posso preservar meus sentimentos?
Senhor, às vezes eu queria que você sentisse a mesma coisa por mim. Você poderia ser generoso e deixar que essa sensação mágica inunde sua alma? Não por aquela morena de cachos moldados, mas por essa míope que tem olhos de um simplório castanho. Eu admito, por todas as vezes que pareci ignorá-lo, eu queria ter certeza de que a magia não estava se espalhando como câncer por meu espírito.
Então, eu sou uma boba enamorada.
Você poderia ignorar essa parte e voltar a me dar “bom dia” amanhã de manhã? Juro que não tocarei no assunto, só não deixe de falar comigo, por gentileza. Eu poderia me apaixonar por você todos os dias da minha vida, senhor, e esconderei esse sentimento até o momento que você, um dia, talvez, se apaixone por mim também.