Eu sei que é clichê começar assim, mas eu realmente me lembro daquela noite fria de inverno como se fosse ontem. Nós nos aquecíamos juntos em frente à lareira, como de costume. Eu estava deitado sobre as pernas de Laura, e ela deslizava a sua mão suave sobre o meu pescoço, passando pelas orelhas e terminando sobre a cabeça, onde ela esfregava os dedos calmamente para me fazer um delicioso “cafuné”.Aquele normalmente seria um dia especial, pois era o nosso décimo aniversário. Surpreso? Pois é, hoje em dia é difícil um relacionamento durar tanto tempo, mas a nossa química era perfeita. Não só nosso amor era verdadeiro, mas ela sempre me deu confiança e eu sempre lhe dei suporte incondicional, afinal, tínhamos apenas um ao outro. Éramos parceiros, melhores amigos. Pelo menos era isso que eu pensava.
Mas naquela noite, em contraste com os anos anteriores, não celebrávamos. Por alguma razão que até hoje eu desconheço, Laura estava triste. Enquanto ela me abraçava de olhos fechados, eu sentia suas lágrimas correrem meu corpo. Tentei perguntar o que havia acontecido, por que ela estava assim, será que alguém a havia maltratado? Ela não me respondeu.
Provavelmente por que sabia que eu jamais perdoaria quem quer que fosse o culpado. Assim como não perdoei aqueles outros de quem ela reclamava tanto antes de trazer para dentro de casa, e do quarto. Me chamavam de ciumento, mas eu era seu protetor. Jamais aceitaria compartilhar minha amada com alguém que não fosse merecedor, e até então, ninguém fora.
Enquanto deixei meu corpo a sua disposição para ajudar a consolar seu choro, as carícias e massagens de Laura, que sempre fora talentosa com as mãos, me deixaram num êxtase que eventualmente me levou a adormecer.
A noite passou, e pouco antes do amanhecer eu acordei sozinho em frente à lareira que ainda estava ligada. Me levantei animado, disposto a chama-la para que pudéssemos passar o sábado nos divertindo juntos como costumávamos fazer. Poderíamos ir ao parque, à praia ou simplesmente caminhar pelo quarteirão. Eu só queria que ela esquecesse de seus problemas e voltasse a ser a mulher feliz e sorridente por quem me encantei.
Mas era tarde demais. Ao entrar na cozinha do apartamento, encontrei Laura deitada no chão, sobre uma poça de sangue, com os pulsos cortados. Corri até seu corpo e gritei o mais alto que pude na intenção de despertá-la ou pelo menos pedir ajuda, mas ela não estava mais presente. Os vizinhos ouviram meu choro, meus berros de desespero, e logo os poucos familiares dela apareceram para lidar com a situação.Família essa que nem merecia ser chamada como tal, pois viviam deixando minha Laura sozinha quando mais precisava. Eu era o único que realmente se importava com ela, do fundo do coração. E até hoje, enquanto permaneço nesta loja de adoção, junto de outros velhos cachorros mal-amados, à espera de um novo dono ou dona que nunca chegará perto do que ela foi para mim, continuo a me perguntar: Por que o meu amor não foi o suficiente?