Todas as águas são cor de afogamento
Calígula
Tipo: Lírico
Postado: 19/10/16 21:45
Editado: 03/02/17 08:30
Gênero(s): Reflexivo
Tags: Morte
Avaliação: 10
Tempo de Leitura: 52seg a 1min
Apreciadores: 15
Comentários: 8
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Palavras: 139
Livre para todos os públicos
Notas de Cabeçalho

"Toutes les eaux sont couleur de noyade."

Capítulo Único Todas as águas são cor de afogamento

Toda chuva fede a morte

e na mortalidade dos pequenos órfãos me felicito

e na inanidade de seus choros me excito

e na desgraça dos mais desgraçados penso, sozinho e sorrindo:

“ao menos não sou eu o mais infeliz de todos.”

E toda neblina relembra nossas derrotas

e na incapacidade de meus amigos me encho de tremores

e na solidariedade de todos os cânceres implodo com amores

e sob a fumaça de todo incêndio reflito, sozinho e sorrindo:

“ao menos não sou eu o mais aniquilado de todos.”

E todas as águas são cor de afogamento

e na realidade de minhas ideias me desiludo com constância

e na enfermidade de meus abismos reconheço minha arrogância

e entre a trapaça de estar vivo decido, sozinho e perdido:

“ao menos já não sou eu o mais iludido de todos”

e morro.

❖❖❖
Notas de Rodapé

Não culpem ninguém...

Apreciadores (15)
Comentários (8)
Postado 19/10/16 23:17

É na eterna comparação com os outros que esquecemos que vivemos cada um ao nosso próprio ritmo e se passarmos toda a vida contando vantagem, esqueceremos que há uma vantagem das horas em contar a nossa história.

É necessário empatia para saber que os que sofrem são os que estão vivos, se afastas estes, afastado será. Escolhemos a solidão tantas vezes e não percebemos.

Um texto incrível, parabéns, Pablo!

Postado 21/10/16 16:11

E então vêm também aquelas horas lupinas onde qualquer racionalidade se esvai por motivo nenhum, e toda solidão parece muito mais um "destino" que qualquer outra coisa, a despeito de algum argumento. É, por vezes (e será mesmo só por vezes?) não dá para perceber o que quer que seja.

Muito obrigado!

Postado 20/10/16 00:42

Pois é, esse negócio de achar que está por cima por estar melhor que os outros é de fato complicado. Na verdade, é algo bem pequeno e de pessoas derrotadas e covardes. Diria Aleister Crowley que são pessoas que nasceram para serem escravas e assim pisoteadas (não sei se é pra tanto, mas enfim...).

Prezado Pablo. Sempre é bom ler um texto seu e esse não é exceção. Eu achei demais, demais, demais como você utilizou as palavras para escrever esse, como disse o Red, incrível texto.

Ele surpreende pelo tema que aborda, pelas palavras impactantes, pela forma com foi construído. A soma disso tudo fez de um texto intenso, com mensagem clara e bom de ser lido. Sinceramente, é muito díficil ver algo com tamanha qualidade.

Eu gostei do teor forte que você utilizou. Não quis poupar a sensibilidade dos leitores, até porque o texto realmente queria mostrar com a vida, se vida superficialmente, é medíocre. Dizer isso a alguém é sempre forte.

Assim sendo, não me resta muito o que dizer, além de parabenizar. Parabéns por mais um texto genial!

Postado 21/10/16 16:27 Editado 21/10/16 16:43

Não que acredite em alguma função intrínseca ao autor, e não também que tenha interesse em inventar qualquer uma que seja, mas às vezes, sonhando, gosto de imaginar que meus textos têm alguma coisa de destruidores, e só. Depois talvez alguém venha e construa algo sobre eles, mas esse não é meu "papel". É muita arrogância de minha parte, talvez, mas também já deixei de me importar em ser ou não arrogante, então... haha. (Vai ver que, se realmente sou, carrego qualquer coisa de escravo. Se sim, ao menos me consolo por ser só às vezes, por esse sentimento, essa sensação de "superioridade", tomar-me só de vez em quando. Entre os cumes e o abismo há sempre só um passo, de qualquer forma...)

No mais, muito obrigado.

Postado 20/10/16 01:19

E na sua maestria doentia eu me comprazo

E na lembrança de quem se foi me desfaço

E nessa escuridão em comum um pensamento refaço:

"Ainda bem que pude encontrar o Mestre Pablo"...

Tu golpeias sem piedade... E com a realidade, tal qual ela se mostra e propaga desde sempre. Não culparei ninguém... Mas parabenizarei e agradecerei o senhor enquanto textos postar e vida tiver, meu caro.

Atenciosamente,

Um ser confuso que nunca soube viver, Diablair.

Postado 21/10/16 16:41 Editado 21/10/16 16:48

Desde que notei que a vida não leva nenhuma vantagem sobre qualquer outra matéria, e que nós, seus pobres coitados, não somos mais que bolas de catarro cuspidas por ela, sinto-me melhor para golpear ou fazer qualquer coisa parecida -- no caso, escrever. Meu amigo, não pararei de propagar essas inanidades, principalmente por poder contar com a possibilidade de agradar meus semelhantes (coisa que, considerando a lógica, não faz muito sentido a partir do momento em que não se considera mais nada como "válido" e nem se tem paciência para inventar outra desculpa -- mas ficar preso à lógica ou à coerência também já não me quer dizer nada, seja como for).

E, claro: obrigado pela presença, irmão.

Postado 30/10/16 19:35

Cara, eu não tenho o dom de fazer comentários maravilhosos que nem o pessoal aí em cima, mas esse texto é magnífico.

Postado 04/10/21 00:54

Ao menos agora eu reflito...

Adorei sua obra e como profundamente ela prende o leitor em suas próprias lembranças, ideias e reflexões. Uma obra para pensar sobre os tons da água e sua própria empatia com o proximo.

Outra, eu amei sua narrativa calma e rimas simples, <3

Agradeço por ter compartilhado sua obra, foi um prazer poder ler, eu adorei!!

Assinado uma pequena vampira, <3

Postado 05/10/21 22:39

Acho que esse é o tipo de obra que faz emergir nosso lado real, mas que não mostramos para ninguém. Há uma obscuridade palpável nos versos, enquanto uma sinceridade solitária acaricia nossos cabelos. O encadeamento rítmico das estrofes é extraordinário e soa como uma canção a ser sussurrada durante um afogamento.

Obrigada por compartilhar essa obra incrível e reflexiva conosco.

Meus parabéns, Pablo ♥

Postado 05/10/21 22:59

Cara, que poema foda!

Meus mais sinceros parabéns, senhor Pablo!

Postado 10/10/21 18:33

Penso que talvez a maioria de nós, humanos, muitas vezes se sente desse modo arrogante, como se estivesse por cima dos outros.

Mas na realidade, a verdade é que estamos todos no fundo do poço. Felicidade? Paz? Calma? Alegria? Tranquilidade? São coisas que julgo não existirem verdadeiramente além da ilusão.

E não digo isso por achar que em minha vida não há felicidade. Não. Em muitos momentos me sinto muito feliz, mas me sinto consciênte que tal felicidade é ilusória.

Gosto de usar aquela frase do Schopenhauer para descrever os humanos: "a vida é dor e sofrimento". E eu vou dizer isso até o fim dos meus dias, por mais que eu tenha dias alegres e felizes.

Uau, esse texto foi perfeito para o que ele se propõem!!

Um grande abraço <3