O velho jogo de tabuleiro esteve guardado no fundo de um dos armários do porão por mais de duas décadas e de lá só saiu quando Maria Alice o achou e decidiu se divertir com ele. Ela convidou Margarida e Joana, suas colegas de balé, para brincarem com ele, pois parecia ser infinitamente mais macabro daquilo que estavam acostumadas praticar em suas aulas. Assim, como já era de praxe, se reuniram numa sexta-feira à noite e, em vez de assistirem filme de terror até altas horas, sentaram-se sobre o tapete da sala e preparam-se para jogar. Elas estavam muito empolgadas, pois a caixa do tabuleiro era simples e completamente negra, o que dava um ar tenebroso ao jogo. No interior da caixa, encontraram um tabuleiro cheio de letras dispostas aletoriamente, um pequeno copo de plástico e um pequeno manual, o qual continha um quadrado formado por quatro cruzes invertidas impresso e no seu interior estavam as instruções do jogo.
Joana, um pouco assustada com os desenhos presentes no manual, colocou o tabuleiro entre elas e segurou o copo em sua mão, enquanto Margarida, a mais ansiosa para começar o jogo, lia as instruções em voz alta, as quais eram: colocar o copo no centro do tabuleiro; colocar o dedo indicador da mão direita de todos os participantes sobre o copo; seguir a instrução que for dada. Não havia nada além disso escrito, o que deixou as meninas levemente confusas, mas não o suficiente para não darem continuidade à brincadeira. Maria Alice sorria, Joana tremia e Margarida estava com os olhos arregalados quando colocaram os dedos sobre o copo, o qual começou a se mexer instantaneamente. As meninas reagiram da mesma forma: com um grito assustado e tirando os dedos sobre o copo, o qual parou instantaneamente. Joana não queria dar seguimento àquilo que parecia ser coisa de outro mundo, mas foi convencida a continuar pelas demais. Assim, colocaram os dedos novamente sobre o copo, o qual voltou a se mexer, e acompanharam seu movimento.
Delicadamente, o copo se moveu de letra em letra. As meninas estavam extremamente concentradas e ansiosas para ver quais as instruções seriam passadas. O copo mudou de direção por oito vezes, até parar na letra “A”.
— Sobreviva? Que instrução é essa? — indagou confusa Maria Alice.
Sem dar chances das as amigas comentarem sobre a instrução, uma forte rajada de vento repentina abriu as janelas da sala, as quais bateram com força nos móveis próximos e provocaram uma enxurrada de cacos de vidro. As lâmpadas da sala começaram a zumbir até explodir, o que fez levantar pequenas, mas fétidas labaredas nos suportes; as louças caíram dos armários, aumentando a quantidade de objetos cortantes no recinto; a televisão, até então desligada, ligou-se e os canais passavam sozinhos. As meninas estavam apavoradas com os acontecimentos sobrenaturais que presenciavam; procuraram gritar para pedir ajuda, mas as vozes não ecoavam pelo ambiente; sentiram seus corações palpitarem cada vez mais rápidos e sua pele ficar cada vez mais encharcada por suor. Procuraram reagir, mas paralisaram quando uma gargalhada grossa e continua tomou conta do ambiente.
As três voltaram seus olhos ao espelho sobre a lareira e viram uma face branca, que, conforme a intensidade da gargalhada aumentava, ficava maior. Ela era completamente branca, não havia nenhuma linha de expressão e possuía somente uma grande boca, a qual claramente sorria. O desespero pelo desconhecido foi transformado em desespero por sobrevivência quando a face atingiu o seu tamanho máximo no espelho. O jogo tinha começado! Um forte desejo de morte tomou a alma das meninas. Elas viram que assim, eliminando seus adversários, teriam maiores chances de sobrevivência.
Em um movimento rápido, Joana pulou sobre Maria Alice com a clara intenção de arrancar sua garganta com uma mordida. Margarida pegou o maior caco de vidro que tinha no chão e partiu determinada em perfurar as adversárias até a morte. As três se agrediam de forma violenta e irracional, completamente possuídas pelo desejo de morte. Golpes foram capazes de cortá-las profundamente, o que tornou o local vermelho de sangue. Enquanto a crueldade dos golpes aumentava, a gargalha da face branca se tornava mais intensa. O fim do jogo se aproximou, quando Margarida acertou com um caco de vidro a barriga de Joana, o que causou profundo corte e permitiu que as vísceras saíssem. Maria Alice, se aproximou de Joana por trás e com um chute a arremessou para a lareira, onde ela teve seu corpo consumido pelas chamas até a morte.
Com a morte das amigas, a racionalidade de Maria Alice voltou, o que fez ela entrar em forte estado de choque. Ela olhava os corpos mutilado e incinerado daquelas que convidou para se divertir, o que fazia seu coração se retorcer de dor. Ela estava caída, com a barriga para cima e inundada de sangue a lágrimas. No entanto, ela ainda conseguiu reagir com desespero, quando notou que a face branca estava sobre ela. Aquele ser monstruoso saíra do espelho e agora pairava, mudo e sorridente sobre sua cabeça. Maria Alice tentou acerta-la com um soco, mas viu seu braço atravessar o ser fantasmagórico. Seu corpo tremia completamente, repleto de dor e medo, quando a face parou de sorrir para dizer:
— Você seguiu a instrução do jogo e por isso venceu. Eis aqui seu prêmio.
Assim a face branca voltou a abrir a boca, mas dessa vez não para sorrir. Com uma mordida rápida e certeira, ela arrancara olhos, orelhas, nariz e metade da face da Maria Alice. A face branca, ao ver outra criatura com face igual a dela, voltou a gargalhar intensamente, enquanto rumava ao interior do espelho. Nesse mesmo momento, o tabuleiro e os demais componentes voltaram para o interior da caixa, o que indicou que o jogo, enfim, estava finalizado.