Amar alguém é uma droga: sem perceber você se torna dependente da pessoa; vicia-se tanto nela que se torna inevitável não citar os gostos e lugares preferidos. E é claro que sempre há quem queira aproveitar-se desse vício, incitando-o a comprar as mais belas rosas da cidade mesmo que sua namorada seja alérgica a flores; a presentear com chocolates extremamente saborosos mesmo que isto lhe custe boa parte do salário e corra o risco de ser xingado por querer engordá-la; a agradar comprando roupas de marca, daqueles que modelos com cara de cão chupando limão vestem e desfilam por aí se achando os tops do momento.
E para que tudo isto? Flores murcham em questão de dias e perdem toda a beleza e encanto, chocolates apenas engordam e enchem o rosto de espinhas, e as roupas? Ah, estes são os mais desprezíveis. Você pode comprar uma mais bonita e elegante nas lojas 3B, e o melhor de tudo, economiza-se R$300,00 que pode muito bem ser aproveitado para comprar os ingressos para o jogo do Corinthians só para ter o gostinho de vê-lo perder com uns cinco gols de diferença e zoar sua namorada por dias seguidos, apreciando as crises de fúria para depois pedir desculpas, comprar-lhe um presente e ter, como recompensa, uma das melhores noites a dois.
Já perdi a conta de quantos vendedores desesperados em bater a própria cota deixei em total frustração, saindo sem comprar nada. Afinal, era Dia dos Namorados, eu tinha que comprar algo digno de ser o presente, e não um qualquer.
Andando novamente pelo centro, vislumbro o restaurante Liverpool, o nosso restaurante. Foi lá que a vi pela primeira vez ficando exatamente duas horas bebendo o mesmo copo de cerveja, apenas para apreciar sua beleza: os cabelos negros levemente enrolados, os olhos verdes que vez ou outra expressavam perplexidade diante de alguma cena do livro, os lábios vermelhos num imutável sorriso de canto, ultrajando um sobretudo preto com um grosso cachecol em volta do pescoço e uma boina preta. Uma típica escritora francesa.
Naquela época eu repugnava o amor, e olha onde me encontro agora. Desde aquele dia não consegui parar de observá-la. Quando estava brava ela tinha a mania de piscar cinco vezes antes de responder, tempo suficiente para pedir desculpas e evitar impropérios. Quando alegre, predominava-se em seu resto o sorriso mais lindo e contagiante que se possa existir. E apesar de estar triste, ela mantinha o típico sorriso prepotente e vazio, para não incomodar ninguém com seus problemas.
Observá-la tornou-se meu vício. Meu único vício.
Amar alguém realmente é uma droga. Transforma-te, te modifica, te molda, fazendo você virar quem nunca pensou que seria, agindo de um jeito que sempre condenou. Tudo por causa de apenas uma pessoa, apenas para agradá-la e vê-la feliz.
Passei em uma loja de vinhos e comprei a que ela mais gostava. Tudo que eu tenho que dizer quando encontrá-la é “eu te amo”. Não preciso fazer aqueles textos gigantes, muito menos serenatas de amor ou declarações clichês. Basta apenas dizer estas três palavras com sinceridade e tudo ficará bem. Se não ficar, ela me terá como presente.
Peço à atendente que embrulhe o vinho para presente, de preferência com papel azul e uma fita rosa, as duas cores que ela é apaixonada. A moça pergunta se é para a minha namorada, e eu lhe respondo que sim; ela sorri e me entrega a sacola. Pela expressão dela eu não fui o único que teve a ideia de comprar vinho para esta noite.
Depois de uns minutos de caminhada, chego até seu apartamento. Minha namorada me recebe com o mais lindo sorriso e com a expressão mais feliz do mundo. Ela corre em direção à cozinha e de lá eu fico admirando-a.
Eu não me canso de observá-la, de decorar cada mania e cada detalhe de seu corpo. Tenho a consciência – ou a loucura – de alegar que poderia viver mais de 200 anos, apenas por causa dela.
Do meu vício de amá-la.