Na escuridão um par de olhos negros observavam-me. Caso não houvesse um brilho assassino nos mesmos, eu jamais os notaria. Estava sentada no chão da minha sala enquanto tentava ludibriar um mau contato no fio do carregador do meu telefone. Não era uma tarefa fácil, visto que eu já havia desperdiçado ao menos vinte minutos tentando resolver o problema. Estava com sono, era segunda-feira quase duas da manhã e o fato de ter que acordar daqui a pouco mais de quatro horas me deixava ainda mais cansada. Bem, eu poderia facilmente dizer que isso justificaria a visão que eu tive, contudo, o que se seguiu após tal vislumbre comprovou minhas instintivas desconfianças. Aqueles olhos negros não eram coisa da minha imaginação.
Pus meu celular no chão o mais devagar que pude. Juro que fiz o movimento mais lento e sutil que pude, mas ainda assim o que quer que estivesse na escuridão emitiu um som baixo, porém perigoso. Eu entendi o recado. Nada de bom viria daquele encontro e aquilo não era um delírio. Senti meu coração acelerando, meus pelos se arrepiaram e minha garganta secou. Eu estava com medo e, por mais calma que eu tentasse me manter, era apenas um esforço sem propósito, em vão. Minhas pernas bambearam quando o rosnado da criatura se intensificou. Uma lágrima verteu de meus olhos e um suspiro em forma de súplica foi emitido. A criatura pareceu não se importar. Eu arriscaria dizer que a mesma até gostou de me ver naquela condição. Podia ouvir o som de suas narinas a experimentar o cheiro de medo que eu exalava.
Nessa situação, de costas para uma parede, de frente para uma besta em posição de ataque, eu não podia fazer nada. Sequer havia algo perto de mim que servisse de arma. Nada que pudesse lançar, nada para perfurar, nada. Que escolha eu tinha? Afoguei-me em desespero quando a criatura não deixou tempo para eu continuar pensando no que fazer. Lenta e assustadoramente caminhou abaixada em minha direção. Ouvia seu rosnado gradualmente aumentar, sua respiração intensificar e seu olhar negro identificar sua vontade: me matar. Seu andar era elegantemente assustador. Dava passadas lentas como a dos predadores prestes a atacar uma pobre gazela. Sua pelagem era tão negra que até a própria escuridão do local se fazia clara perante. Suas garras arranhavam o piso do chão causando um leve e aterrorizante som ríspido.
Haviam poucos centímetros entre a criatura e eu, e a mesmarevelou ainda mais suas presas. Enormes caninos foram revelados entre demasiada quantidade de saliva misturada com sangue. Não sei de onde esse sangue veio, mas no momento só serviu para me apavorar ainda mais. Ouvia pingar freneticamente nas pausas breves dos rosnados violentos. A criatura estava decidida. Pôs-se de quatro patas – antes estava apenas abaixada –, e olhou no fundo dos meus olhos. Era agora. Vi suas patas traseiras flexionarem levemente e suas orelhas pontudas abaixarem. Pegou um breve impulso e saltou sobre mim com suas patas da frente esticadas revelando ainda mais as garras que eu realmente não queria que me tocassem. Mas me tocaram e fizeram estrago.
A criatura, cujo nome era Morgana, atacou-me mordendo o mais forte que pôde. Dividiu as mordidas entre lambidas e virou sua barriga para cima pedindo carinho. Provavelmente ela me enxergava exatamente dessa maneira. Ela realmente acreditava ser uma predadora nata. Daqueles que fazem as presas arrependerem-se de ter nascido. Filhotes são muito divertidos.