O dia é 3 de agosto, do ano 2013. Os alunos refrescados das férias chegavam mais uma vez à Academia, junto de um pôr-do-sol ofuscado por diversas nuvens, poeira e um ambiente que, em outra época, seria muito mais acolhedor.
Apesar do ambiente não tão receptivo, os alunos seguiam calorosamente para um novo semestre, algo tão esperado por eles, afinal, o caminho até aqui não fora literalmente fácil. Após descerem do ônibus, se dirigiram tranquilamente para a entrada da Academia, onde o diretor Daniel Lima, junto das professoras Júlia Jung e Joice Paz, receberiam todos os talentosos alunos carismaticamente.
O diretor nada havia mudado desde o último semestre. Continuava com o mesmo jeito e não parecia mais novo, tampouco mais velho. Ao olhar com mais atenção era possível duvidar da idade do mesmo, já que os seus trinta e poucos anos não eram tão aparentes. Tinha um longo e volumoso cabelo castanho preso num rabo de cavalo, a fim de manter a formalidade em evidência. Vestia um traje levemente social, algo totalmente contrário ao dia a dia na academia.
Já Júlia Jung era uma nova conhecida para os alunos. A professora não tinha nenhuma formalidade e, graças à sua estatura e sua pouca idade, podia ser facilmente confundida com uma aluna. Tinha um cabelo demasiadamente longo (beirando ao exagero), o qual mantinha solto, completamente esvoaçante pela brisa fresca de fim de tarde. Possuía um olhar observador, que transmitia um tanto quanto de mistério por trás de seus óculos de grau.
Joice Paz mantinha-se em pé em postura rígida, acompanhando pelo olhar cada aluno que chegava. O cabelo castanho ondulado cascateava dos seus ombros às suas costas hora ou outra entrando em seu campo de visão. Sutilmente removia a mecha rebelde e disfarçava um olhar de afeto para o diretor, aquele com quem mantinha um relacionamento amoroso. Com o passar do tempo o frio se instalava no local, contudo, ela não parecia se importar. Apesar de seu vestido preto não oferecer qualquer proteção ao frio, a mesma sequer se arrepiava.
Algumas vozes baixas podiam ser ouvidas. Alguns estudantes estavam calados, mas boa parte cochichava casualidades. Perto dos professores passava um aluno com um andar demasiado imponente. Tinha claramente um ar mais arrogante que os outros, e seu olhar expressava certo nojo ao observar os demais. Gustavo era o seu nome, ou como algumas vezes era chamado, Gans. Não parecia do tipo que colecionava amigos, apenas os necessários ou realmente importantes. Caminhava um ou dois passos à frente de duas pessoas, uma delas era Rakkiel, uma menina ruiva e de olhos chamativos, que adorava utilizar do sarcasmo e, Kyou, um aluno extremamente alto e com um estilo diferente, além de sempre ter um bloco de notas em mãos.
Duas garotas se destacavam por sua altura (ou falta dela): uma se chamava Pamela, uma aluna que utilizava todas as oportunidades para fazer drama e não era muito conhecida entre os demais, por ser mais reservada. A outra se chamava Flávia, grande amiga de Pamela que era quase tão dramática quanto a tal, além de ter vontades e interesses inusitados, tais como sua fixação por facas.
— Oush! — exclamou Pam, ao ser mordida no ombro — já falei pra você controlar as mordidas em público, Fava!
Graças a maior popularidade de Flávia, outras pessoas andavam perto da mesma, mas não trocavam palavras. Giordano era um desses, um rapaz conhecido pelas suas habilidades de stalker e sua calmaria, além do seu enorme amor por café. Ao seu lado, Lucia andava distraidamente, resmungando sobre atividades que teria que fazer a partir de agora e, por vezes, deixando de responder seu colega. Próximo à Lucia, se encontrava Manoel, um aluno conhecido por ver a versão “terror” do mundo e responsável por quase todos os contos do gênero distribuídos na Academia. Apesar disso, era extremamente educado com todos, mas não muito sociável.
Longe da maior parte das pessoas, se encontrava uma menina carregando um livro de suspense. Kallyandra era seu nome, e frequentemente podia-se ver ela olhar para os lados, como se estivesse esperando algo acontecer.
Mais ao longe, dois outros alunos conversavam sobre cerveja e outras bebidas alcoólicas. Ambos eram bem parecidos, apesar de suas etnias serem bem opostas. Um deles, que tinha uma aura calma e de fama, se chamava Lecrivain, já o outro era mais reservado e apenas tinha os mesmos gostos que o anterior, por isso aceitou a conversa, o seu nome era Domus.
Vitória, ou Vic, carregava um violão. Era conhecida por ser bem animada com seus amigos, mas reservada para os outros. Ela conversava com Fernanda, uma garota que tropeçava algumas vezes enquanto andava e era bem tímida, frequentemente encaixando-se no termo “emotiva”. Próximo à Fernanda, encontrava-se Pedro, que conversava com Alícia e Beatriz.
O garoto era conhecido pela sua altura e magreza, apelidado de “pernalonga”, além de sua personalidade bem amigável e que favorecia o contato com os outros. A garota chamada Alícia era bem reservada, mas naquele momento se permitia conversar alegremente com o garoto, apesar de olhar frequentemente para os lados, com desconfiança. A última garota, Beatriz, não era muito comunicativa pelo ambiente, já que ela era introvertida, mas isso não a impedia de ser bem amigável com aquelas pessoas.
Todos os alunos, com calma, deram suas devidas voltas e conhecidas, além de organizar novamente seus quartos, animados por mais um semestre. Os professores e o diretor cumprimentaram todos devidamente, além de deixarem o aviso do horário de funcionamento do refeitório.
Após todos chegarem na área das refeições, a fim de ter o lanche da tarde, o diretor comunicou-os sobre a necessidade de comparecerem ao pátio às sete horas.
— Que saco. — Disse Lucia expressando toda sua indisposição.
— Não é só você que acha. — Gustavo comentou.
Continuaram a comer, agora nem tão animados. Já podia perceber-se que duplas de afinidades se formavam. Alguns permaneciam isolados, outros amigáveis. Tudo corria normalmente até aquele momento. Como qualquer escola, reunia preguiçosos, egocêntricos, aborrecidos e outros mais.
Logo após a pequena refeição, todos foram até o pátio em fila dupla. O local era amplo e bem iluminado por diversos postes, tendo uma lua minguante como observadora principal - muito embora os alunos não se importassem com a mesma. Rapidamente, todos os acadêmicos se agruparam em volta do palanque onde haveria o discurso.
Daniel subiu os poucos degraus, posicionou-se em frente ao microfone, pigarreou baixo e começou seu discurso:
— Gostaria de agradecer a todos a pela presença nesse novo semestre. Eu estou muito orgulhoso de todos os resultados que vocês, alunos, têm conseguido. Espero que possam se divertir e aprender ainda mais e, acima de tudo, espero poder acompanhar todos vocês até a formatura. Gostaria também de agradecer à nossa nova professora, Júlia, pelo seu empenho já demonstrado para nós. Espero que todos possamos nos dar bem e progredir para o melhor, sempre.
Após o comunicado, os alunos bateram palmas junto dos professores, mesmo que nem todos estivessem tão animados para fazê-lo. O jantar só seria servido tempos depois, então todos se espalharam pela Academia, a fim de descansar e praticar outras atividades.
Pamela se recolheu para os dormitórios, enquanto Flávia, sua grande amiga, ficou ali mesmo para conversar um pouco com alguns conhecidos, tais como Giordano e Vitória. Os três conversavam sobre café. Vitória não gostava, Giordano amava e Flávia pensava que suco de maracujá era melhor.
Já Lecrivain, que antes conversava com Domus, foi até a sala de concursos, admirar os troféus que já tinha, além de pensar em como conquistar mais fama na Academia. Domus o acompanhou, porém não falou nada, apenas observava as coisas, como gostava de fazer.
Kallyandra preferiu ir à biblioteca, lugar onde não havia nenhum aluno ou professor, já que não havia nada para realmente ser feito lá no momento. Se sentou em uma mesa qualquer e resolveu ler o livro que outrora carregava por aí.
Fernanda conversava com Pedro, sobre os tipos de comida que seriam servidos durante a janta. Ela, assim como outros acadêmicos, estava entusiasmada pelo café, principalmente. Na Academia eram servidos diversos tipos de café, os quais eram considerados pelos alunos (principalmente os “cafenáticos”) como o melhor da cidade.
Kyou resolveu se sentar em um dos bancos do pátio para tomar algumas notas, porém não teve êxito em sua atividade, pois Rakkiel resolveu conversar com o mesmo. Gustavo, que antes andava perto de ambos resolveu ficar pelos dormitórios.
Manoel conversava com Lucia sobre piercings, visto que a garota possuía um no septo, porém, o rapaz também pensava em onde Kallyandra estava, já que ela até o momento não havia interagido grandiosamente com qualquer outra pessoa, além de ter dado um “oi” para ele.
Alícia e Beatriz resolveram ir até a sala de aula e conversar, porém ao chegar notaram que a sala estava trancada, então resolveram ficar no corredor do Sono.
Por fim, ao ver cada um tomar seu lugar, os professores se recolheram à secretaria, para discutir sobre a escola e todos os futuros procedimentos.
Logo a hora do jantar chegou e, por ele só ser servido em um horário, todos foram até o refeitório, local onde até mesmo os professores se sentavam em meio aos alunos sem muita distinção. O ambiente estava agradável, apesar de levemente barulhento e, aparentemente, todos se divertiam a seu modo.
— A carne está cortada de um jeito estranho. — Daniel comentou. — Não está do jeito que você sempre faz, Allan.
— Me desculpe, mas é que a minha melhor faca está sumida desde esta manhã. — O cozinheiro educadamente respondeu. — Já procurei em todos os lugares, mas infelizmente não encontrei. — Suspirou chateado.
Cochichos se espalharam pelo ambiente entre os alunos mais questionadores que criavam teorias conspiratórias sobre o sumiço da faca. Manoel já contava o que sua imaginação malvada criava:
— Aposto que o cozinheiro perdeu a faca em alguém — enfatizou a palavra “perdeu” e em seguida riu maleficamente.
— Que diferença faz? — Lucia disse sem se importar jogando os ombros despreocupadamente.
— Ignore o que eu disse. Tenho alguns problemas de criatividade exagerada…
Lucia percebeu o desconforto que causou em Manoel e então respondeu:
— Mas até que seria legal se alguém aparecesse com uma faca dentro de si por aí. — brincou.
Mais cochichos surgiam de cantos distintos, porém logo tudo se cessou. Pouco a pouco, o refeitório se esvaziou e cada um foi para um canto, acompanhado ou não.
Por volta de dez e meia da noite, a professora Júlia entrou na secretaria com o fim de entregar relatórios ao diretor, contudo, teve uma surpresa terrível.
Largou ao chão todos os papéis e livros que antes estavam em seus braços e gritou completamente nervosa e desesperada. Os alunos que já dormiam acordaram e, os que não, correram no mesmo instante para ver o que ocorrera. Diante de todos, estava o diretor, Daniel Lima, deitado no chão de barriga pra cima, com uma faca cravada em seu estômago, e marcas de sangue em seus ombros e em suas mãos. Em cima de sua mesa, havia uma carta de suicídio, que dizia:
“Sinto muito por deixá-los sozinhos, meus prestigiados alunos. Mas, já não havia como suportar a falta de satisfação em minha vida. Decidi partir para o céu azul, buscar a felicidade. Adeus.”
Joice Paz chegou na porta da secretaria e começou a chorar desesperadamente, caindo no chão e sendo consolada por Júlia e alguns alunos mais gentis. Os demais acadêmicos entreolharam-se desconfiados. Tudo parecia muito estranho.
— Algo de errado aconteceu aqui — Beatriz disse e outros alunos concordaram em pensamento.