Teu olhar me penetra a alma,
Não uma novidade, na verdade,
Mas de uma maneira desconfortável desta vez...
O que antes fora o mais belo de todos olhares,
De todos risos, dos nossos arredores,
Hoje me corta de maneira como nunca havia presenciado.
Sinto-me sendo dilacerado de dentro pra fora,
Não que meu coração não já estivesse,
Mas olhando-te face a face
Sinto a agonia imensa,
Sinto a dificuldade de engolir,
Engolir o seco, qual o ar rarefeito que se põe entre nós.
Sinto que tudo que não queria era sentir,
Que tu fosses só mais uma face,
Que eu pudesse rir do teu calmo riso,
Que, juntamente com a mecha azul,
Teu cabelo combina com tuas covinhas.
Para ser mais sincero, me pergunto o que não combina em ti
Se da sobrancelha ao vermelho de vergonha és essa unicidade,
Esse conjunto que nunca aparenta reagir diferente,
E ainda sim, toda vez que te olhava sentia que tinhas algo a mais
E que os poucos segundos disfarçando não te olhar não bastavam,
Como entender o que me atraia tanto em ti se, no auge da minha imaturidade,
Os olhos me traiam o pensamento
Um dizia para não olhar,
O outro já havia contatado o riso,
Uma rebelião desgovernada,
Quem manda nessa bagunça?
A razão é que não.
E eis que os períodos se estendiam,
Aquele um segundo se alongava cada vez mais,
Sempre me enganava que nada significava
Até que, por algum acaso inexplicável,
Teu lápis caiu rolando mesa abaixo,
Peguei-o, devolvi em tuas mãos,
Foi quando, pela primeira vez,
Vi-me perdido no teu sorriso,
Completamente desconexo,
Tudo por um simples obrigado,
Um sussurro melódico.
Não veria modo mais simples de iniciar uma história,
Não trocaria este início por acontecimento algum,
Há uma beleza inata em uma situação fora de controle de todos,
Uma simples aplicação de queda livre,
Uma simples reflexão,
Uma onda sonora transmitida,
Um processo como qualquer outro,
Mas única ao mesmo tempo.
Não creio ter demorado mais de alguns segundos
E lá estava a conclusão,
Minha razão, em concordância com todos sentidos,
Queria aqueles olhos e sorrisos por toda a vida,
Implorava para ter aquele sussurro pela manhã,
Insistia em ter-te enrolada em mim.
Não mudaria nosso início,
Mas ao olhar-te e ser olhado por ti,
A sala parece muito pequena para tanta tristeza,
Tanto desgosto...
O ar que antes parecia inspirar leveza
Hoje se enche com toda encargo que possa haver
E desaba por nossas cabeças,
Desmancha e ofusca teu riso,
Inspira e respira o peso de nossos arrependimentos.
Hoje nem o café foi capaz de me despertar deste pesadelo.
Para tão simples início,
Tão mundano, mas significativo,
Encerrar algo que até então era dito belo
Como se por causas naturais tivéssemos sido vencidos,
Derrotados e postos a sete palmos.
Fomos enterrados pelo que costumávamos ser
E apesar de toda beleza que havia ao redor da estrada,
A distância nos fatigou,
As estradas aparentavam se distanciar
E com as concessões que fazíamos para estarmos juntos
Traçávamos um novo caminho
Que, apesar da insistência,
Nenhum de nós podia transpassar.
Hoje resta a memória,
Uma carta me fitando,
Tal qual teus olhos,
Ainda os sinto avançando sobre tudo que eu poderia ser,
Sinto, não queria...
As lágrimas encharcam a carta,
Que já transbordava de sentimentos,
Desentendimentos e aflições.
Enxugo-a com o vazio que sou por dentro,
Há memórias e recordações para eternidade,
A carta é a segunda,
Tu és a primeira,
A demonstração de que o tempo não é terno
E o aumento da idade não perdoa.
Um dia, o que há de mais importante em tua vida
Desfaz-se perante os segundos que te fitam,
Os olhares que roubei quando ainda não nos falávamos
Adquires de volta em tua carta.
Ainda sou incrédulo,
Mas a vida sempre foi incerta,
Aquilo que parecia não querer acabar,
Não mais que de repente,
Passou.