A vida é como um castelo de cartas construída cuidadosamente durante anos, mas facilmente destruída em questão de segundos. Porcentagens não fazem mais sentido quando não se tem mais no que acreditar, pois quando aqueles esperançosos 80% se transformam em nada, a fé e a razão entram em um conflito interno te jogando cada vez mais para o abismo da depressão.
Foi você que me ensinou a andar de bicicleta, que se arrependia por fazê-lo quando via meus joelhos sangrando pelo impacto com o chão, mas que sempre cedia nas horas que eu te implorava. Foi você que me ensinou sobre o certo e o errado, que me parabenizava e me incentivava quando eu seguia o caminho certo, entretanto, que puxava as minhas orelhas me deixando de castigo e me fazendo entender o erro que cometi para estar no caminho errado.
Nos momentos em que eu não merecia você esteve ao meu lado, me mimando, me fazendo acreditar em um amanhã melhor. Eu a admirava, assim como ainda a admiro, e essa admiração cresce cada vez mais em meu peito.
Como não admirar aquela que me trouxe à vida? Ou melhor, que me fez viver? Quando eu era criança, a única coisa que desejava era ser igual a você. Mesmo com pouca idade eu sabia o quanto você se sacrificava diariamente para termos conforto, afinal, não era fácil estudar, trabalhar e cuidar de mim e dos meus avós. E você o fazia, às vezes reclamando o quanto era difícil e que queria desistir, mas você nunca desistiu. Você me motivou e me ensinou a não desistir dos meus sonhos.
Quando eu me sentia insignificante você me acalmava, me mostrando o quando me amava e o quanto eu era importante. A lembrança de quando você brigou com todos da família por minha causa ainda é nítida, como se houvesse acontecido ontem. Os gritos, o seu sorriso demonstrando que tudo estava bem quando me colocou para dormir, e os choros de madrugada achando que eu não escutaria. Lembro-me de tudo, e foi a partir desse dia que aprendi a ser forte e a sorrir para demonstrar que tudo estava bem.
Foi aí que eu prometi que a amaria para sempre, que independente dos problemas futuros eu nunca a deixaria. Mas o tempo foi passando e eu fui esquecendo de cumprir essa promessa. As brigas tornaram-se constantes, e cada vez mais eu me via te afastando dos meus planos.
E eu fui embora, sem olhar para trás, sem remorsos, procurando por um futuro melhor apenas para mim, e esquecendo que apenas aprendi a ser forte observando você vencer todos os obstáculos, aprendi a seguir em frente quando a via ignorando as declarações que não era possível. Aprendi a ser alguém na vida me espelhando em você.
Só que agora você não está mais ao meu lado. Sei que quebrei todas as promessas que fiz, mas eu estava cega e só pude perceber isso quando recebi a notícia de que você faleceu. Mas esse, afinal, é o maior erro do ser humano, não? Perder para dar valor.
O vazio se apodera de mim quando eu chego em casa – a nossa casa – e não sinto mais a sua presença. Dias se passaram e a única coisa que fiz foi ficar deitada ou sentada no sofá, olhando para a porta, sem rumo ou esperanças, absorvendo tudo o que aconteceu.
Quando constataram a doença e que você precisaria fazer uma cirurgia para remover o tumor, as chances de dar algo errado eram mínimas, e a cirurgia foi classificada como fácil e sem preocupações. Então ainda procuro a resposta de como uma chance de 20% acabou se transformando em 100%, tirando a sua vida, tirando a minha. Você sobreviveu à cirurgia, mas seu coração estava fraco demais, e o diagnóstico final foi que não passaria de uma semana.
Mas passaram-se duas semanas e você continuou viva. A resposta para isso era que você tinha esperança da pessoa mais importante vir se despedir; ninguém sabia o nome, muito menos o grau de parentesco, só sabiam que você estava esperando.
Esperando por alguém que havia te abandonado por puro egoísmo. Esperando a minha chegada.
“Eles falaram para não ter esperanças que alguém conseguiria chegar a tempo, mas eu sabia que viria. Eu sempre acreditei em você”, foi a última coisa a ser pronunciada antes de sua voz falhar e seus batimentos cardíacos diminuírem drasticamente. E o pior de tudo, você morreu sorrindo, sabendo que teve a oportunidade de ver a pessoa que você mais amou e se sacrificou antes de ir embora.
Apesar de ter conseguido uma vida relativamente boa o suficiente para não me preocupar, nada mais fez sentido. Se eu pudesse voltar no tempo teria apagado o maldito episódio da minha vida que eu mesma escrevi quando a deixei. Teria desistido de tudo se pudesse tê-la novamente.
Agora, a única coisa que consigo fazer é caminhar do meu antigo quarto para a sala, da sala para o banheiro, e do banheiro para o quarto novamente. Depressão? Não. É mais do que isso. É uma esperança cega de dormir e acordar no dia seguinte esperando que tudo não passasse de um pesadelo, de uma brincadeira de mau gosto daquelas que você fazia quando eu era menor.
Eu brigaria com você, e possivelmente sem querer a xingaria, mas você estaria ali. Eu acordaria de manhã atrasada para a faculdade e te encontraria na cozinha, sorrindo, fazendo meu café da manhã para em seguida cuidar da arrumação da casa. A ouviria reclamando de tudo, mas seria mil vezes melhor do que chegar em casa e apenas conviver com o silêncio.
Mas isso nunca mais acontecerá.
Não haverá mais ninguém para me ensinar entre o certo ou o errado, que estará ao meu lado para me mostrar que no mundo existirão muitas pessoas que te derrubará, mas que apenas necessitará de uma para se levantar. Não haverá mais aquele sorriso mascarando a dor e me mostrando que na vida haverá momentos em que sorrir será necessário, mesmo não querendo e que chorar não seria um problema.
Se me soltei de você, se não te defendi, se te afastei de mim, falhei e fui embora, por favor, me perdoe. Sei que é covarde te pedir, mas espero que um dia você possa me perdoar pelos meus infinitos erros, mãe. Se eu pudesse ter apenas um pedido que se realizaria, acredite, eu pediria apenas um dia com você para demonstrar aquilo que dezoito anos não foram capazes de demonstrar.
Eu pediria apenas um dia para te dizer o quanto eu te amo e poder viver mais um pouco ao seu lado.