São 14:45 da tarde e estou dentro deste confessionário que fede a mofo. Quase ninguém aparece aqui, afinal, o que uma igrejinha pequena no meio de um vilarejo praticamente despovoado tem a oferecer? Sou padre a tempo suficiente para saber que as pessoas só procuram a fé e Deus em datas importantes ou quando estão desesperadas. Ficar aqui dentro, ouvindo sobre os pecados infames de outras pessoas é uma lástima.
Deus sabe os sacrifícios que fiz para estar aqui hoje! Tanto tempo me dedicando e... a porta da igreja abre e fecha. Ouço passos. Alguém está caminhando em direção ao confessionário. Está escuro, mas vejo um vulto vindo em minha direção. Ele se senta. Ótimo, vou condenar alguém hoje! Respiro fundo e digo:
— Que a paz de Deus esteja convosco! Quem é você?
Uma voz feminina responde-me do outro lado:
— Eu tenho muitos nomes. Mas, por hora, quero ser apenas...Ninguém.
O tom em que essas palavras foram pronunciadas cortaram minha alma. É como se essa pobre alma estivesse sendo atormentada. Há uma presença ruim rondando este lugar, posso sentir. Seguro com firmeza meu terço e respondo:
— Certo, Ninguém. Pode se confessar, estou aqui para ajudar.
— Tem certeza? Não foi isso que ouvi antes de entrar aqui —Ela solta um riso malicioso — Você disse algo como: "Vou condenar alguém hoje". E realmente você está certo, alguém será condenado, mas não serei eu...porque já estou condenada.
— Como você sabe disso? Quem...O que é você?
Minhas mãos estão tremendo. Sinto-me indefeso. Deus, por favor, livre-me de todo mal. Proteja-me, Senhor! Uma voz distorcida e um pouco mais grossa pronuncia num sussurro atrás de mim:
— Seu deus não vai te salvar!
Sinto minha espinha gelar. O sangue não corre mais em minhas veias. O ar não enche mais meus pulmões. As palavras só saem em pensamentos, pois meus lábios estão selados pelo medo.
— Está com medo, Carlos? Onde está seu deus?
A voz, agora totalmente masculina, se parece com a minha voz. Viro-me um pouco para trás e vejo de realce algo assustador. Em pé, logo atrás de mim, estava um ser de aparência idêntica a minha. A única diferença entre nós eram os olhos. Os meus, azuis como o céu. Os dele, vermelhos como sangue.
A criatura sorri maliciosamente para mim e diz:
— Chegou teu dia, Carlos! Você tem medo do Diabo? Pois saiba, ele veio te buscar. Você pagará por cada pecado, seu maldito. Aquele que você chama de deus conhece teus erros, mas nós estávamos ao seu lado quando tu realizou cada ato.
Horrorizado, somente consigo perguntar:
— Q-quem é você?
— Nos chamam de Legião, pois somos muitos —Ele faz uma pausa e coloca a mão em meu rosto — Somos a junção de todos os teus pecados.
Está escuro. Onde estou? Um turbilhão de vozes agoniadas está chamando por mim. Senhor, perdoe-me, não me mande para o inferno! CONFESSE CARLOS! Calem-se, pela misericórdia de Deus! CONFESSE SEUS PECADOS, CARLOS! Deus virá me proteger. CONFESSE E DEIXAREMOS VOCÊ IR...
Abro os olhos. Estou diante do altar, ajoelhado e completamente nu. Minhas mãos e pés estão amarrados. Sinto um enorme peso em minhas costas. Sinto como se estivesse carregando minha cruz! Pelo espelho no altar, vejo um ser escuro, montado em minhas costas. Hoje, eu juro perante Deus, que vi a face do Diabo.
—Tudo o que você precisa fazer é confessar, Carlos.
— E-eu ... eu ... eu, Carlos, confesso que roubei minha mãe quando era mais novo. Eu era uma criança gulosa e curiosa, só queria comer alguns doces e experimentar um pouco de cerveja. Me acostumei a roubar e quando virei padre, furtei o dinheiro da oferta dos cultos de domingo para...
— Diga o motivo pelo qual você roubou, Carlos!
— Não consigo...Minhas costas...Doem...
— Se você consegue ter coragem para pecar, deve ter coragem para assumir seus pecados!
Engulo seco e falo sem pensar:
— Às vezes, eu pegava o dinheiro para ir ao bordel do vilarejo mais próximo. Às vezes, eu usava o dinheiro para comprar coisas caras só para fazer inveja em outras pessoas. Às vezes, eu comprava doces e brinquedos para...atrair crianças e estuprá-las.
Começo a chorar. O peso em minhas costas some e as vozes em minha cabeçam se calam. Resta-me somente o silêncio. Sinto uma pequena mão acariciando minha cabeça. Sinto paz. Vejo pelo espelho do altar as perninhas de uma garotinha vestida de branco. É um anjo! Ela fica de frente a mim e olha nos meus olhos. Vejo lágrimas de sangue escorrendo em sua face e em seu olhar, pude ver o próprio inferno. Ela quebra o silêncio e diz com uma voz grossa:
— Pobrezinho, você está condenado desde o ventre impuro de sua mãe. Não importa o quão arrependido você esteja, o inferno te aguarda. Já não há salvação para tua alma.
E num único golpe, ela corta minha cabeça com uma faca.
_________________________________
— Central? Aqui é o tenente Wilson. Estamos na pequena igreja do vilarejo, encontramos o corpo do padre Carlos e...
— Tenente? Ainda está na linha?
Wilson estava paralisando diante da pior cena de assassinato que viu em 20 anos de carreira policial. No chão, em baixo do altar, encontrava-se o corpo de Carlos, pregado ao piso em forma de uma cruz invertida. Aproximando-se, Wilson viu que na barriga do padre, havia um versículo marcado: João 10:10.
— Tenente Wilson? — Chamou o colega de patrulha, Fred. — Venha ver isto!
Dentro do confessionário, havia uma bíblia destroçada e um odor forte de carne podre. Do lado de fora, em cima do banco daquele que vai confessar, estava a cabeça do padre Carlos. Dentro de sua boca havia um bilhete.
— O que diz aí, senhor?
Hesitando um pouco antes de responder, Wilson sussurrou:
— Está escrito com sangue: "O Diabo me matou. O Diabo veio me buscar"