Moça, vai entrando,
Não te demoras com a porta entreaberta
Que o calor rondando porta afora
Não demora em esquentar cá dentro
É que por aqui vai tão confortável
E aconchegante por debaixo das cobertas.
Lembro de ter aprendido na escola
Sobre essa história de calor
Em uma aula de física, salvo algum engano.
A energia cinética das partículas em colisão
Dispersava-se, subtraindo-a da fricção
E convertendo-se em luminosa e térmica.
Ah, perdão, nunca me recordo
Que detestavas física no colégio
O microondas esquenta minha comida,
É tudo que preciso saber.
Não era o que dizias?
E apesar de eu sempre rir
Da tua falta de interesse
E retrucar que a física era, na verdade, estonteante,
Sempre acabávamos por concordar,
Havia de haver um modo melhor
De passar nosso tão curto tempo
Que não fosse debatendo
Sobre debater física ou não.
E, realmente, não é que tinha?
Eu puxava um pote de sorvete do congelador,
Você esquentava uma pizza de frango
E, por um tempo, fingíamos assistir um filme
Até que, como sempre, você se entediava,
Puxava a colher imersa no sorvete napolitano
E o fazia respingar sobre mim
Eu, como adulto responsável,
Não deixava por menos
Até que muitos cabelos bagunçados depois
A sala acabava encoberta de napolitano
E, pra variar, também a droga do sofá.
Moça,
Acho que mudei de ideia,
Esfriou bastante por aqui
E um calorzinho vinha a calhar,
Principalmente o teu,
Que desinibido no nosso entrelaço,
Sempre me fez tão menos amargo.
Moça, por que o choro?
Eu sei que escurece,
Mas já passamos daquela época
Em que jurávamos acreditar,
Que em monstros sob a cama,
Ficava aguardando a nos espreitar.
Chega mais perto que te enxugo as lágrimas,
Faço um carinho, esquece a tristeza,
Que essas que mancham tua alma,
Não merecem ser derramadas.
Moça, acho que te vejo quando raiar o sol,
Nesta escuridão,
Sinto uma dormência,
Um frio indescritível,
A porta parece emperrada
E o calor não parece mais entrar,
Acho que adormeço, moça.
Será que o sol se pôs do lado errado
E não serei capaz vê-lo nascer contigo?
Será que, por um deslize, pereceremos na escuridão?
Será que viverei perdido nestes pensamentos
Ou, morto, sou, agora, apenas um mero fragmento
Do que viria a ser o eterno desordenamento?