A polícia não tardou para chegar no local que foi descrito como “matadouro” pelo autor do telefonema anônimo. O ambiente tinha um forte odor pútrido, o que contrastava com o odor característico de um depósitos de produtos de limpeza. Os policiais começaram a vasculhar e logo encontraram sobre uma mesa de madeira tingida por sangue dois revólveres e muitas caixas de munição. Em seguida, encontraram, cercadas por caixas de papelão com marcas de dedos, uma rastro de sangue que se estendia até um velho armário localizado no fundo de depósito. Ao abri-lo, um corpo caiu sobre um dos policiais, o que assustou a todos que acompanhavam a busca. No entanto, os policias logo se recompuseram e dois deles ajudaram a tirar o cadáver de cima do companheiro, enquanto outro pegava um papel que estava preso na porta do armário. Após ler o que nele estava escrito, o policial saiu correndo, mostrando claros sinais de nervosismo e logo se encontrou diante o grande pátio ao fundo do depósito. Toda a área teve o solo remexido e por isso o policial logo chamou por reforços. Em questão de vinte minutos, mais de cinquenta de policiais e quinze peritos se encontravam no lugar. Uma carnificina de tamanho porte nunca tinha sido visto no país como aquela que testemunhavam.
A carta foi enviada para a central da polícia e seu conteúdo foi parar nos jornais do país inteiro: “Que lugar imundo, essa Terra. O mais são é aquele capaz de cometer suicídio para ter acesso a um lugar repleto de felicidade. Aqui é só dor, dor e dor. Nada além de dor. É dor que nasce e cresce no coração das pessoas boas, das raras pessoas boas. Das raras pessoas que não suportam mais a dor de ver a criança passando fome e o velho passando frio. A dor de ver a criança maltratando o velho e de ver o velho molestando a criança. Essa Terra fede a dor, pois as pessoas exalam dor. As pessoas escutam a voz errada, escutam a voz que vem de seus excrementos, não escutam a voz que vem do seus corações. A voz do coração é pura e cristalina. Dela não vem dor, só esperança. Dela vem a certeza que podemos viver num lugar melhor que esse antro de dor, nesse lugar insuportável, nesse lugar detestável, nesse lugar podre. Pela manhã, eu levantava e começava a me debater. Jogava meu corpo em direção a parede, jogava minha mão em direção aos pregos e jogava meus pés em direção a cinza. Isso tudo era menos doloroso do que sair pela porta e encarar esse lugar podre. Mas naquele dia, enquanto arranhava meu rosto diante o espelho, o meu reflexo começou a se mover independentemente. Era a voz do meu coração se expressando. Era a voz do meu coração me dando esperança para viver num lugar livre de dor. Ela disse que o caminho era livrar-se desse mundo e que o acesso era a morte. A morte era a esperança. E ela disse para eu levar quantas pessoas eu quisesse, desde que fossem pessoas boas. Assim, comecei a trazer pessoas boas, pessoas que não exalavam dor e lhes dei esperança. Aqui ficaram os nossos corpos, mas nossas almas estão num lugar sem dor. Atire em sua cabeça e junta-se a nós”.