Boa noite, caro amigo imaginário.
Isso, você que lê estes primeiros versos,
Pode entrar!
Não tenha medo, a bagunça é natural,
Aprochegue-se, contar-te-ei uma história,
Acomode-se em meu subconsciente,
Faça de minha memória seu doce lar,
Prometo-te que tudo que virá
É única e completamente verdadeiro;
Não contarei mentira alguma,
Todos e quaisquer desvios,
Omissões e truques serão deixados de lado.
Bem, era um sábado à tarde
Estávamos eu e minha namorada na sorveteria,
Era aniversário dela,
Completávamos dois anos de namoro
E eu estava pronto para propô-la,
Afinal, tudo parecia favorável,
Eu havia terminado o mestrado e estava empregado,
Ela, para o mês, terminava o doutorado.
Morávamos juntos há um ano,
Entre a bagunça do apartamento dela
E a desorganização do meu,
Não podíamos ser mais compatíveis,
Apesar da óbvia desavença
Sobre quem vai lavar a louça,
Quem engoma a roupa
E quem, as plantas, vai aguar,
Sempre acabávamos dividindo as tarefas,
Um pouco de risos,
Brincadeiras e água pela casa,
Tudo acaba se resolvendo.
E cá estamos agora,
No sábado,
Na sorveteria,
Ela pede o de baunilha,
O violinista contratado começa a soar,
Outro no lado oposto da sala,
Ela observa-os desconfiada,
Ponho minha mão sobre a dela,
Deslizo entre as palmas para chamar sua atenção,
Quando ela finalmente se dá por conta de olhar para mim
Estou pondo-me de joelhos,
Vejo o brilho em seus olhos e a boca abrir-se surpresa,
Ela prepara-se para gritar que sim!
A sorveteria é numa esquina,
O sinal abriu no lado oposto,
Um caminhoneiro sofre de um ataque epiléptico,
O acelerador é acionado,
O caminhão parte desgovernando,
Ultrapassa as paredes,
Avança sobre a moça que distribui o sorvete,
A colher de sorvete é lançada,
Enlouquecidamente avança sobre o espaço
E colide pondo-se sob o globo ocular
De minha ex-futura-esposa e arranca-o,
Ela corre desesperada e escorrega
Em seu sorvete de baunilha, que ironia,
Ao cair, sua cabeça colide na roda do caminhão
Que acabara de se soltar,
Meu coração dispara
E corro para tentar salvar minha paixão,
Jogo-me, arrastando-me pelo chão sujo
E tento evitar sua fatal queda,
Mas o atrito diminui significativamente minha velocidade,
Seu pescoço que deveria ser amortecido em minha rechonchuda
E bastante saliente pança,
Acaba por bater em meu joelho,
Seu pescoço já deslocado pelo impacto com o pneu
Termina por fraturado,
Seu esôfago é perfurado
E ela começa a tossir sangue.
Tenho uma breve esperança de que vá ser salva,
Mas até que os paramédicos fossem chegar,
Ela já se assemelharia ao meu sorvete de morango
Que agora está derretido sobre o chão
Com sua casquinha quebrando, em vão,
Lá se vai minha paixão...
Esta foi minha história,
Meu grande amor,
Morta como milho colhido por um trator,
Tudo em vão,
Nossas horas vividas,
Nossas feridas e louças escorridas,
Tudo que resta agora é a dor
Excessiva e desmedida
Descontente comigo,
Que não a pude salvar,
Amortecendo-a sobre meu umbigo.
Mas, obviamente meu caro leitor,
Nem tudo é em vão,
Se você acreditou nesta merreca
È, com certeza,
Um verdadeiro bobão,
Não medirei esforços,
Falar-te mal é risório,
Afinal, estou no sanatório,
Falando com minha própria imaginação,
Queria que não,
Mas sou louco.
Matei quinze ontem,
Incluindo meu gato de estimação,
Estou para ser executado,
Então andarei logo com o final,
Até nunca mais,
Minha mente mortal.
Sentirei tua falta
E de conversar contigo,
Mentir e fingir que acreditas,
De dividir meus delírios,
Meus agouros e carnificinas,
Até nunca, meu nobre amigo.