Lembras quando sequer nos conhecíamos
E eu olhava desconfiado,
Por cima do ombro, meio desengonçado,
Só pra ver se tu olhavas para mim?
Lembras que eu fingia desapego,
Que era extremamente fechado,
Que aparentava querer falar com seu ninguém,
Que vivia a sós com minhas particularidades
Longe de quaisquer inseguranças
Da pura e nada amigável realidade.
Lembras que quando alguém saia
Eu mudava de cadeira
E acabava bem ao lado teu,
“Fica mais perto do quadro”, eu dizia,
Você ria,
Eu ganhava meu dia.
.
Lembro de ficar meio sem graça,
Aqui entre nós, como sempre me acho ser,
Mas, daí, observo você sempre rir de minhas piadas
E, por aquele segundinho, mudo de opinião,
Fácil assim, por que não?
Lembro de ficarmos bem mais amigos,
Lembro de trocarmos sorrisos,
Alguns momentos de euforia,
Outros de profunda desavença,
Mas sempre um abraço de “bom dia”.
Lembro de rir só por que tu rias,
Lembro de ter falado uma vez do teu perfume
Para ter uma desculpa para inspirar profundo,
Fazia um bem, de lembrar o sentimento,
Mesmo sem tua presença ainda me inundo.
Recordo que nos gostávamos
E tínhamos um carinho extremo um com o outro,
Os outros brincavam que deveríamos namorar,
Eu ria, envergonhado por dentro, e te dava o aval,
Sempre aparentando concordar com tua decisão
De que “não, só amigos.”.
Até o dia que deixaste de responder isso...
Foi quando percebi que também rias desengonçada
E se privava do que sentias internamente.
Daí por diante foi só o tempo
Para que eu superasse minha insegurança,
Para que superasses tua inconstância
E para que pudéssemos conversar sobre o assunto,
Para que pudéssemos rir da falta de assunto
E perceber que toda temerosidade era passageira,
Que não tardava para a verdade derradeira,
Não havia contradições,
A resposta era simples e curta,
Entendíamo-nos como ninguém,
Estávamos aquém dos melodramas
O presente era nosso para desfrutar.
E tudo era verdade,
Um mar de rosas,
Um campo de cerejeiras.
Era,
Até o dia que foste embora,
Até o dia em que o mar salinizou,
As rosas empalideceram-se
E a sujeira no quintal,
Provida da cerejeira,
Não mais justificava sua beleza.
.
Este não é um poema sobre amor,
Este é um adeus que se alongou
Por sentimentos
E versos diversos,
Ternos, mas imersos
Numa profunda melancolia
Do recordar.