Lá estava ela... Me esperando como o valentão da escola no final da aula. Eu não tinha para onde fugir, nem onde ou como me esconder. Sem aviso, fui golpeado com força, nem deu pra reagir direito. Nossa... Doeu pra caralho! E era só o aquecimento...
Ela continuou me agredindo com seus punhos gigantes, poderosos, incansáveis. A cada ataque, um pouco de mim era esfacelado. Ela parecia gostar de me arrebentar. Só que afirmar isso era mentira, inadequado até. Seria como falar que a gravidade é boa ou má. Ela simplesmente é. Assim como minha algoz.
Mais um golpe. Mano, esse me machucou bonito. Esmoreci. Me ajoelhei, sem fôlego. Puta merda, que raiva! Que ódio Dela, dessa situação! Tentei revidar, me ergui como um monstro montado na crista do Inferno. Foda-se a dor! Eu reagi, bati de volta, atingindo tudo e o que quer que me rodeasse. Ela recebeu minha indignação de braços abertos.
Ela... EU sabia quem de nós era mais forte.
Só fiz ganhar tempo por um tempo com toda a ira que me assolava. Anestesia. Mas a dor ainda rugia, de tantas lesões que carregava por dentro. O arregaço foi grande. E Ela voltou a me golpear. Ora aos poucos, ora com uma potência de dar medo. Alguns golpes eu bloqueei, de outros conseguia desviar na última hora. Só que uns, os mais absurdos, vinham do nada e pra arrancar tudo de mim.
A coragem. A resistência. A mobilidade. A vontade. Tudo.
Eu caí de novo. Estava doendo demais desta vez. Lágrimas escaparam de meus olhos. O baque foi imenso. Eu pensei em desistir, não dava mais. Ela me era imbatível e não se importava nem um pouco se iria me destruir ou não. Só golpeava, golpeava e golpeava. Mesmo eu estando no chão, ela prosseguia.
Eu chorei e ela enxugou meu pranto espalhando-o com um murro na minha cara. Desistiria. Não seria a primeira vez que esse pensamento me tentava. Mas as vozes... Eu ainda estava ouvindo elas bem baixinho. Torciam aos berros, embora o sofrimento da surra abafasse os gritos.
Tinha gente acreditando que eu podia vencer, mesmo estando tão fodido, tão velho e tão cansado. A luta só termina quando acaba, urravam. Soava idiota; eu entendi assim mesmo. Estavam certos. Eu... Eu ainda não tinha dado tudo de mim...
Tinha que continuar lutando, mesmo ciente que ainda iria apanhar pra caralho Dela. Até porque havia uma outra voz que também se recusava a se calar: a da minha alma. Lá no cerne, bem no âmago lanhado, o desejo de superar minha carrasca naquele combate homérico ressoava alto o suficiente para que me mantivesse resoluto.
Eu respirei fundo. O ódio ainda estava lá. A tristeza também. A dor atual, os resquícios de sofrimento, as cicatrizes dos golpes anteriores também. Cuspi sangue. Suor pingando em profusão. Me esforcei para ficar de pé. Ela pareceu respeitar isso e parou, como que me concedendo os meus dez segundos. Estremeci. Quase caí de novo. Me pus de pé. Punhos erguidos, posição de luta assumida. Será que A fiz sorrir com essa atitude corajosa (atrevida)?
Não. Ela não ria ou chorava. Apenas me testava, como nunca/sempre fizera antes. E a mim cabia me preparar para receber o próximo impacto da melhor forma que pudesse. Fosse como/quando fosse.
Porque ela, a Vida, nunca pararia de me bater e eu só a venceria se suportasse tudo até o fim no ringue chamado Mundo perante a platéia chamada Sociedade, onde poucos torciam por mim e a maioria não se importaria com minha luta, embora certamente estaria de olho em cada uma de minhas quedas.
Eu continuaria até o fim, fosse ele qual fosse. Ela também.