Numa noite escura, estava eu caminhando de volta para casa depois de uma aula estressante no colégio até virar uma esquina e ter a sensação de estar sendo seguida. Apressei os passos, mas a sensação só aumentou e num ímpeto corajoso olhei para trás só para ter a certeza de que realmente alguém me seguia, mas por causa da escuridão não consegui ver quem era.
Apressei mais ainda meus passos, até que para minha felicidade encontrei uma boate aberta, parecia bobagem, mas quando pequena minha avó dizia que caso eu sentisse algo de errado era para ficar em lugares onde haveria movimentação e certo “público”.
Entrei sem pensar duas vezes e assim que desci as escadas que tinha na boate meus ouvidos foram invadidos por uma música super alta e um cheiro extremamente forte que causava certo enjoo. Fiquei mais tranquila ao perceber que estava rodeada de pessoas e como não tinha hora para voltar para casa (apesar de morar com os pais, eles não ligam para minha humilde existência), decidi pegar uma bebida e relaxar um pouco.
Sentei num dos bancos da boate e me pus a observar as pessoas que compunham o cenário. Era cada pessoa mais estranha que a outra que me fez refletir onde é que fui parar. Quando me levantei pensando em ir embora, ouvi uma voz ao pé do meu ouvido:
-Onde é que vai? Não queria relaxar?
Virei para o lado só para encontrar um par de olhos vermelhos bem intensos me encarando. Era um garoto moreno com cabelo meio longo e que tinha pontas cinzas, uma estatura alta e ombros largos. Meio desconfiada decidi responder:- Meio irônico tentar relaxar no meio de uma multidão, não acha?
-Claro, mas a parte mais irônica é procurar salvação no meio de almas condenadas, não acha?
Sem entender muito o que ele dizia, tentei aumentar a distância entre nós, porém ele me segurou pelo ombro, encostou os lábios carnudos bem próximo do ouvido me causando arrepios e disse: - Quer ver algo interessante? Prometo que te divertirá.
Com um pouco de medo decidi olhar por todos os lados, mas todos pareciam tão entretidos em sua própria forma de diversão que me senti tão desprotegida quanto estava antes, sozinha. Ao encarar de novo o rapaz, senti arrepios por toda a espinha ao receber um olhar malicioso do mesmo sobre meu corpo.
-Posso te mostrar coisas fascinantes, só basta acreditar em mim.
Comecei a me sentir diferente, meio grogue, meio fora de si, meio insana. Parte de mim queria voltar para casa e deitar em minha cama, mas a outra parte queria saber o que tanto ele queria me mostrar. Então me dando por vencida, relaxei o corpo e decidi jogar tudo para o alto: - Espero que tudo isso valha a pena, senão será a última vez que entrará numa boate.
Ele deu uma risada e mordeu uma das minhas orelhas, me fazendo sentir mais arrepios pelo corpo.
-Relaxa gata, te mostrarei a verdade.
Então segurou um dos meus pulsos e me levou para uma parte meio escura da boate, até que avistamos uma porta decorada com luzes neons e a empurrou com força. Entramos numa espécie de Lounge, porém o que mais me assustou foi o que tinha nele. Não eram humanos, não eram almas, nem espíritos. Parecia tudo muito surreal, mas era tudo real.
Estava cercada de seres místicos, alguns dançavam, outros bebiam e outros conversavam entre si. Por minutos eu achava que alguém tinha me drogado sem saber, mas ao tropeçar em algo e cair de cara no chão (e ser levantada pelo rapaz gato, porém misterioso) percebi que eu realmente estava vivenciando aquilo.
O rapaz percebendo minha inutilidade viral, me arrastou para o bar e pediu dois shoots de tequila. Se virou para mim me entregando um dos copos dizendo: -Surpresa?
Sai do transe e olhei para ele: - Você me drogou?
O rapaz riu e bebeu um pouco do líquido. Se virou para mim de novo e olhando nos meus olhos disse: Por mais que a sociedade diga que não, nós existimos sabia? Estávamos aqui o tempo inteiro. Presos, mas existíamos.
Mais embasbacada do que já estava, perguntei: -Como se esconderam?
Ainda me olhando, pôs a mão na minha coxa e disse: -Tentamos ser o que eles regem como normal, mas muitas vezes não aguentamos a pressão. Estamos dentro de cada ser vivo, influenciando mesmo que pouco, as decisões das pessoas. Enfim, por mais que estejamos em todos os lugares, poucos nos conhecem.
-Por que eu então? Não poderia escolher outra pessoa para os conhecer?
Ele então se virou e bebeu todo o líquido que tinha no copo. Endireitou o cabelo e se largou mais na cadeira que estava sentado. Decidiu então pegar um cigarro e começou a fumá-lo. A suspense que ele fazia produzia em mim diferentes reações e não sabia até quanto poderia segurar. Então, antes de falar suspirou e disse: - Porque você também é um.
Posso então dizer que minha vida nunca mais foi a mesma depois daquela noite. Não voltei para casa, pois tinha tanto o que falar e questionar que tinha medo de perdê-lo se fosse embora. No final ele estava certo. Existíamos nesse tempo inteiro, mesmo que não nos vejam, nos realmente existimos. Alguns se escondem dentro de mocinhos, alguns de trabalhadores, outros de deputados, até mesmo de crianças. Vivemos com certa máscara e essa máscara impede que muitos vivam a realidade, já que a mesma tem como definição o que é imposto pela sociedade. Uma realidade distorcida e chula.
Decidi viver na boate, porque lá era o meu “lugar”. Lugar para seres místicos. Lugares para pessoas como eu. Foi lá onde encontrei minha segurança. Então, hoje eu chamo todos que estão mascarados para viverem aqui, serem o que realmente são.
Estou chamando todos sem exceções. Estou chamando os monstros.