Nota um: Não sair de casa.
O vento não ventava, a grama não era assoprada, a sopa não esfriava, o pipoqueiro não precisava recolher os baldes de pipoca jogados no chão e os passarinhos não reclamavam bicando os galhos. Era quente e seco na praça, todos jogavam vôlei e todos corriam do lado de seus cachorros, famílias passeavam juntas e famílias não passeavam juntas, estava tudo sendo usado, do playground até os carrinhos de churros. As pessoas saiam do supermercado e atravessavam, com as compras nos braços, a rua para caminhar na praça.
Melogordo era o garoto mais envergonhado e guloso da cidade, odiava sair de casa e brincar com os amigos que não tinha. No colégio, era alvo de brincadeiras e piadas envolvendo o seu peso acima do normal para uma criança de treze anos, causando constantes faltas nas aulas. Sua mãe sabia disso, porém não encontrava soluçôes para ajudar seu filho, que mantinha o olhar triste do menino gordo que vivia dentro de casa. Em uma segunda feira muito alegre, aproveitando que estava de folga, a mãe convidou Melogordo para passear um pouco pela praça, fazer novos amigos e quem sabe até comer um ou dois churros. Com o garoto segurando a mão da irmã mais nova, a família passou pelo supermercado e atravessou a rua à praça, ela estava cheia de gente, enquanto as crianças se penduravam em árvores, os adultos conversavam sobre uma toalha na grama.
O Melogordo não estava se sentindo enjoado ou triste, ele estava feliz de estar com a sua mãe e irmã fora de casa, se divertindo contando piadas muito engraçadas que todos riam. No meio das alegrias e simpatizes que todos os parentes e amigos passavam pela praça, ouviram-se pios medonhos e lentos dos passarinhos junto a dois tiros ferozes e altos, que foram escutados de todas as quinas da praça. Houve o silêncio, morno e calmo, pareceu que o céu havia escurecido, e que os corações de todas as pessoas haviam parado de bater, e de repente, o vento ventou. Fez-se um frio, e mais dois tiros foram possíveis ouvir, mais altos que os antecessores, todos da praça começaram a correr de medo, mães procurando seus filhos e filhos procurando suas mães. O Melogordo e a sua irmã conseguiram ver corpos mortos do outro lado da praça e cachorros atacando e sendo fuzilados por quatro homens. A mãe dos dois os pegou pelos braços com tanta força que os dois gritaram junto com as vitimas. Os sons de tiro não paravam mais, já os gritos, muitos agonizantes, foram diminuindo. O gordo, a mãe e a irmã correram junto com a multidão aterrorizada com os tiros de fundo, Melogordo não aguentava mais correr, estava cansado e suado, constantemente olhando os corpos mortos que iam aumentando a cada disparo que era escutado.
De repente, todos começaram a correr na direção contrária e os tiros também mudaram de lado, o gordo estava tonto e frio, e a praça estava cercada de assassinos, que traziam os tiros com eles para cada vez mais perto. A família correu pelo lado de uma descida que levava a um bosque, que ficava no meio da praça, Melogordo, tonto, fraco e assustado, tropeçou e se soltou da mão da mãe, caindo e cambaleando para trás dos troncos do bosque, os disparos estavam muito perto. O menino sentou e se escondeu nas costas de uma árvore, descansando, logo se deitando sobre a grama. Ele ouviu mais dois tiros.
Tonto e pasmo, ele conseguiu ouvir passos descendo a colina, e com medo, porém com os olhos atentos, enxergou uma fada que vinha se aproximando voando, ela disse:
- O que você mais deseja?
Triste e com saudades, o gordo responde:
- Eu quero estar junto da minha mãe e minha irmã mais nova.
Na manhã seguinte da tragédia que ocorrera na praça, o corpo de Melogordo foi encontrado sangrando pelos buracos dos tiros. Foi pressuposto que havia morrido na hora.
FIM