Sabe aquela vez que passamos o dia limpando rabiscos da parede? Pois é, eu lembrei exatamente daquilo e um vazio enorme se instalou dentro de mim. Na verdade acho que ele já estava lá há muito tempo, mas só agora decidiu que era hora de ser notado.
Não sei mais o que fazer. Sinto-me completamente perdida. Deveríamos ter trocado de papéis, mas você não quis seguir o roteiro e pulou justamente para o final de uma tragédia.
Seria minha vez de te alimentar; de pentear e trançar seus cabelinhos brancos; de contar histórias sobre a escola e, posteriormente, sobre a faculdade. Eu iria cuidar bem de você, não tenha dúvidas.
Não me importaria em deixar de brincar para ficar deitada na cama com você, não me importaria mesmo. Você, mais do que ninguém, sabia que eu nunca fui uma criança muito sociável, então não seria sacrifício nenhum abandonar coisas que eu nunca tive para cuidar de você.
Uma vez te ouvi dizer que eu era a sua neta preferida e que adoravas fazer os meus gostos, mas a coisa que eu mais desejava você não foi capaz de realizar. Não te culpo, longe disso. Sei que não teve escolha; que o seu destino já estava escrito antes mesmo de eu nascer, mas ele tinha que ser tão cruel e te tirar de mim tão cedo assim?
Mamãe falou que você não queria ficar em cima de uma cama, sendo cuidada pelos outros e que foi melhor assim, mas isso não me fez mais feliz. Ainda acho que ela disse isso só como uma forma de tentar se consolar. Ela chorou muito, sabia? Mas eu só chorei duas vezes.
Ainda continuo sendo aquela pessoa durona que não chora por nada.
Eu não sinto saudades; não me sinto triste; eu só... Sinto. E por isso acho que é hora de eu voltar a te “esquecer”.
Até a próxima lembrança, vó.