Seus olhos estavam sem foco e observavam o nada enquanto várias coisas ocorriam a sua volta e a neve caía em seus cabelos cor de fogo. Antes repletos de brilho e vida, seus orbes eram, agora, de um verde musgo completamente esmaecido, insosso – diferentemente de algumas semanas atrás, que pareciam duas esmeraldas tão reluzentes quanto a luz do sol.
Vazia.
Era como ela se sentia após o acontecimento que marcou o fim de sua existência, dois dias atrás. Perdera seus pais, seu irmão e o amor de sua vida. Maldito seja aquele motociclista embriagado que fizera seu pai perder o controle do carro e ir morro abaixo.
E maldita seja ela mesma, por ter sido a única a sobreviver, mesmo que tal fato esteja para mudar. Afinal, a morte era, nessa situação, acolhedora e heroica já que traria sua paz e, possivelmente, sua felicidade. Ela iria vê-los novamente, não iria?
Ouviu-se, então, o barulho de sirenes. O que poderia ser isso? Engolindo em seco, a garota deu meia volta e passou a caminhar lenta e dolorosamente. A camisola branca estava a ficar ensopada de sangue na região de seu abdômen e seus pés descalços já estavam arroxeados por conta do frio que ela ignorava.
Estava vazia. Nada mais importava.
Todos diziam para ela, no hospital, que tudo ficaria bem e que ela teria uma vida boa. Iria morar com seus tios, na França. Faria a tão sonhada faculdade de moda e se tornaria uma modelo belíssima – afinal, seus lindos cabelos ruivos seriam sua marca, sua assinatura.
Anastácia Von’Duff, a modelo extremamente bonita e bem sucedida do mundo.
Ela sorriu tristemente com tais pensamentos e deixou-se cair no chão; a queda fora amortecida pela neve macia e gélida que beijou-lhe o rosto e o corpo inteiro. Logo, o branco tornara-se escarlate. A ferida causada pelo acidente abrira-se novamente, mas aquilo não importava.
Anastácia apenas queria abraçar seus pais novamente. Irritar seu irmão mais novo. Beijar seu amado e dizer o quanto o amava. Apenas isso. Mais nada. Era pedir muito?
Os olhos esverdeados foram se fechando aos poucos, a pele clara tornava-se arroxeada, assim como seus pés. O corpo tremia violentamente e seu sangue não parava de escorrer.
Um último suspiro. Uma última lágrima.
E então, a escuridão instalou-se, para sempre, nela.
Vazia. Solitária. Triste. Eis o fim da chama que chamamos de vida.
Maldito seja aquele motociclista...