— Ela não me ama — digo quebrando o silêncio que se implantara já a pouco mais de um minuto.
O céu alaranjado do entardecer cobre toda minha visão, o vento que sopra derrubando as folhas de outono seca meus olhos, tenho que piscar mais constantemente do que de costume. Deitado na grama contemplando as nuvens no céu ao lado de minha melhor amiga, aquela nuvem da esquerda parece uma onda a ponto de bater em uma pessoa. Uma folha cai em meu peito.
— Como você tem tanta certeza? — Emilly pergunta sem parar de olhar para o céu.
Conheço a Emilly desde que somos crianças, nossas mães são amigas de infância e nos fizeram seguir os passos delas nesse quesito, não que eu esteja reclamando, mas fazíamos quase tudo juntos. Fomos à mesma escola, passamos feriados e férias juntos, passamos pelas inacabáveis vergonhas da puberdade juntos até tivemos uma banda que, obviamente, durou apenas pouco menos de um mês. As nuvens se movem pelo céu, uma que se parece muito com um pássaro passa agora por cima de nós. Aperto a folha delicadamente ao meu peito.
— Eu consigo sentir, posso ver em seus olhos — Fecho os olhos enquanto uma nuvem em forma de roedor passa pelo céu cada vez mais escuro.
É fácil reconhecer quando uma pessoa sente atração por outra apenas pelo seu olhar, suas pupilas se dilatam, há um certo brilho a mais neles e dificilmente se desviam do objeto de afeição. A primeira vez que percebi isso foi quando convidamos nosso colega, Jhon, a tocar conosco na banda, ele tocava o baixo. A princípio não sabia o que era, mas depois de algum tempo ficou bem óbvio o que aquele olhar significava. Especialmente quando comecei a ver o mesmo olhar nos olhos da Emilly. Ao abrir os olhos não vejo mais as nuvens, vejo apenas a folha que agora seguro pouco acima do meu rosto. É uma bela folha, tem uma cor vermelha profunda.
— Como assim? Como se pode ver o amor de alguém pelos olhos? — Indagou Emilly.
Não me surpreende que Emilly diga tal coisa, ela nunca foi boa para perceber essas coisas, caso contrário teria se dado conta de quanto a amo anos atrás. Depois que começara a namorar o Jhon, Emilly mudara, mas não para pior, ela era mais feliz. Inclusive hoje se olham da mesma forma que se olhavam anos atrás. Eu queria ter algum motivo para ter raiva do Jhon, queria poder odiá-lo para justificar este ciúme que tenho, porém… Não consigo. Não posso. Ele a faz feliz, e é isto que importa para mim.O céu agora está escuro. Esmago a folha seca em meu punho e solto os seus restos para serem levados pelo vento.
— Os olhos dela são vazios, ausentes. E não só os olhos, seus beijos não são mais beijos motivados por amor ou carinho, são apenas hábito, costume, obrigação. — Disse a ela, me virando para poder olhá-la, seus cachos castanhos espalham-se pela grama enquanto o belo contorno de seu rosto ainda encara a escuridão do fim da tarde.
Após o começo do namoro da Emilly, eu cai em depressão, obviamente ela percebeu, mas nunca soube o porquê, até hoje ela pensa que era apenas solidão, por isso ela me apresentou à Karen. Karen é uma garota fantástica, ela tem um corpo genial, o que faz se sentir atraído a ela ser muito fácil, e, por algum tempo, ela parecia gostar de mim também, me olhava da mesma forma que Emilly olhava a Jhon. Pensei que seria a mesma coisa. Mas não foi. Aprendi que olhares desvanecem com o tempo. Admiração e aprecio se tornam escárnio e antipatia. Não a culpo, nunca pude olhar pra ela da mesma forma que olho para a Emilly. Nem todos podemos ser Emilly e Jhon. As luzes artificias da cidade começam a parecer mais fortes agora. Pego cuidadosamente uma folha do chão.
— Vocês vão terminar? — Perguntou sentando-se e amarrando seu cabelo com um rabo-de-cavalo. Com ela sentada consegui ver seu rosto triste.
Nunca fui bom com esse tipo de coisa. Se fosse, talvez tivesse dito à Emilly como me sentia, mas nunca tive coragem por sempre estar esperando receber algum tipo de sinal. Emilly sempre tentara empurrar meninas pra cima de mim, mas raramente tive algum interessa em alguma delas. O vento sopra mais fraco agora, a noite se torna completamente silenciosa.
— Terminei com ela hoje — Respondi sentando-me também e passando a mão em meu cabelo para tirar qualquer folha presa
Algum tempo atrás, percebi que agora não somos mais crianças que podem correr atrás de um olhar e esperar que ele dure para sempre, nem se pode prender alguém que você claramente vê que poderia estar feliz com outro alguém. Karen recebeu bem a notícia, após a conversa, abraçou-me, desejou-me sorte em meu futuro e, pela primeira vez em muito tempo, a vi sorrir. Após um tempo o silêncio é rompido pelo vento soprando mais forte. A força destrói a folha em minhas mãos.
— Acho melhor eu ir, não quero te atrasar — Diz ela levantando sem olhar para mim.
Não há sentido em se apegar a uma coisa que não tem possibilidade de acontecer, ficar preso numa situação que te recorda constantemente de anos de sofrimento. Sem contar a ninguém, passei um tempo pesquisando por faculdades fora do estado, fiz alguns testes e consegui passar em algumas, decidi ir à que fica do outro lado do país. Por mais egoísta que isso soe, quero manter qualquer visita ao mínimo. Vejo na mão da Emilly uma folha alaranjada.
— Acho que isto é um adeus, então — Digo levantando-me e colocando minha mala no ombro.
Emilly está com as costas viradas pra mim, ela se vira rapidamente e me abraça. Consigo senti-la soluçar. Abraço-a sem saber o que dizer. O abraço é um pouco mais longo do que eu esperava. Penso em lhe dizer como me sinto agora, mas não consigo. Não quero fazê-la se sentir mal por não reciprocar o jeito que eu me sinto.
— Adeus — Diz ela entre soluços, vira-se e vai embora.
Parado no parque, vendo-a ir embora, milhões de cenários passam em minha cabeça, bons e ruins, doces e amargos, longos ou curtos. Tantos momentos em que poderia ter-lhe dito como me sentia, mas não o fiz, de nada adiantaria, ela nunca teria me amado da mesma forma que a amei. Na minha mão está agora a folha alaranjada da Emilly.