Voltando da escola, lá está ela novamente, ela fica ainda mais maravilhosa de noite, embora eu só a veja por trás, as luzes da cidade iluminam cada um de seus passos. A vejo descer as escadas do parque graciosamente, continuo andando pra frente, acelerando o passo para quando ela chegar no final das escadas, poder ver-lhe o rosto, o rosto mais belo que já vi em minha curta vida, olhos escuros como dois buracos negros no céu estrelado, maçãs do rosto do formato mais magnífico quando ela sorri com seus pequenos lábios cor-de-rosa que são a razão de meus mais lindos sonhos, todos os dias capturo uma parte desse rosto em meu pensamento antes que entre no pequeno túnel do parque, maldito este que me impede de vê-la por mais cinco preciosos segundos antes que ela tome seu caminho oposto ao meu. Quando ela sai posso vê-la por algum tempo antes de ela desaparecer entre as árvores mas hoje, onde ela está? Já devia ter saído do túnel, será que ela andou mais rápido hoje? Fico parado algum tempo esperando que ela saia mas apenas uma coisa sai daquele escuro túnel, um grito. “Me larga” ecoa o grito pelo desolado parque, hesito um pouco ao ouvi-lo, terá sido real? “Alguém me ajude” este segundo grito me acorda, corro para as escadas e as desço o mais rápido possível já ofegando não sei se por cansaço (você pensaria que artes marciais me fariam mais resistente a uma corrida de alguns metros) ou se pela adrenalina de ouvir a garota que eu amo gritando por socorro no meio da noite, mas não é tempo de pensar nisso, tenho que me apressar para o túnel,nele vejo três sujeitos não muito bem vestidos, um deles usa uma camisa velha de futebol, o baixinho tem um cabelo loiro um tanto espalhafatoso, o mais gordo usa um casaco preto, este último mais agasalhado segura-lhe os braços pelas costa, o loiro está com sua mão apertando as bochechas dela enquanto tenta desabotoar-lhe a calça, o do futebol apenas olha como que esperando sua vez, é ele que nota minha presença, O que cê tá olhando ai? Vaza!, minha mente fica em branco por alguns segundos até que ela grita, Graças a deus! Me ajuda por favor, lágrimas cobrem seu rosto que já tem uma bochecha inchada, Puta que pariu, diz o loiro enquanto vira os olhos e vêm em minha direção passando pelo futebolista dando um tapa no peito dele, Ou, vamo foder esse moleque depois a gente fode a vadia, dou um passo para trás, suando frio, E-e-estou avisando vocês, eu luto caratê, nem se quer me ouvem apenas me olham com desprezo, o loiro joga um soco em minha direção consigo desviar-me dele por pouco, embora sinta como se tivesse me atingido, coloco a mão na bochecha meio que buscando algum sinal de dor, não há nenhuma, parece que realmente o desviei, ele parece tão surpreso quanto eu, isso me faz sentir um pouco mais confiante, jogo minha mochila pro lado e me preparo para usar o (pouco) treinamento que tive desde o começo do ano na academia, mesmo me faltando músculos talvez a técnica seja minha salvação, mais um soco vêm em minha direção, desta vez do futebolista, dou um passo pra trás e outro pra direita, eles são burros, estão atrapalhando um ao outro vindo pra cima ao mesmo tempo, soco o loiro e o empurro pra cima do outro, a cabeça dele quebra o nariz do futebolista que imediatamente recua e coloca suas mãos no nariz, Filho da puta!, recuo um pouco também, o loiro corre pra cima de mim tentando me jogar um chute, puxo-lhe a perna fazendo-o cair no chão, ainda segurando-lhe a perna chuto seu joelho fazendo-o virar para o lado errado, o choque o impede de gritar, vou em direção ao do nariz quebrado, olho-o nos olhos, ele está agora com medo pelo que fiz ao amigo dele, mesmo assim se joga encima de mim me segurando pelo abdômen, que imbecil, dou-lhe uma joelhada no estômago e o derrubo de cara no asfalto, ele fica no chão imóvel, não sei se realmente está inconsciente ou se está fingindo com a esperança de eu deixá-lo em paz, não tem muita importância, minha atenção agora está no mais gordo agora já soltando a garota, Que isso, man, a gente tava só zoando, diz antes de sair correndo, a garota soluça no chão, Está tudo bem, ela não para de soluçar, Ei, cê tá me ouvindo? Tá tudo bem, mas ela continua, porque seu choro parece tão… distante, mesmo estando bem à minha frente, o soluços se tornam mais fortes, o choro vai ficando mais alto, sinto uma dor insuportável na cabeça, sinto uma pontada na barriga, tudo escurece, tento de novo abrir os olhos, parece tudo um borrão, vejo a garota, mas não é nada mais que uma fraca silhueta, parece haver alguém atrás dela, um sapato despenca em meu rosto, sinto alguns dentes se quebrando em minha boca e só agora percebo o gosto de sangue nela, percebo a dor do meu nariz quebrado, percebo que a garota está sim a poucos metros na minha frente, está chorando, o loiro atrás dela puxando-lhe o cabelo obrigando-a a olhar pra mim enquanto com a força de seu corpo a balança pra frente e pra trás, pra frente e pra trás, pra frente e pra trás, o som dos dois corpos se batendo ecoa pelo túnel, foi tudo apenas uma ilusão, uma ilusão de minha esperança em salvá-la, esperança que se foi no primeiro soco, nunca tive chance de fazer nada, se tivesse falado com ela antes, se tivesse feito algo antes, talvez hoje ela não teria passado sozinha pelo túnel, talvez pudesse ter falado a ela que não precisava ficar até tarde na escola para terminar o trabalho, talvez, talvez, talvez, sinto tudo em meu corpo parando, desistindo de continuar tentando me manter vivo, mas isso não me preocupa, ela ter que me ver assim enquanto um imbecil a violenta é o que me preocupa, ela não merece isso, tudo está ficando escuro de novo, acho que desta vez não haverá ilusão nenhuma, desta vez a escuridão será permanente, acho que desta vez acabou.