Ei, você. Isso, você mesmo, meu caro amigo, deixe-me perguntar: no meio de tantas míseras suposições, mentiras e histórias desconexas, você consegue acreditar em uma história tão incrível assim? Um simples adolescente que todos julgavam ser o reflexo de um anjo se tornou o mais cruel assassino do país, e entre as suas demasiadas vítimas que tinham como característica em comum os cabelos loiros e cacheados, duas se destacaram pela maneira fria que faleceram.
Então por favor, permita-me contar a verdadeira história de Alcourt.
Tudo começou em um dia nublado, com direito a ventos fortes e gélidos, o que não impediu Alcourt de sair com seus dois cães, exibindo-os na rua à espera de alguém para saciar os planos em sua mente. E por que não um distraído estudante que esbarrou em si e acabou por abrir uma pequena – porém profunda – ferida na perna causada pelo atrito com uma pedra?!
Não foi difícil convencer o garoto de ir à sua casa no intuito de estancar o sangue e fazer um curativo, persuadindo-o com a ideia de brincar com o único filhote que restara da linhada de seus dois fiéis companheiros. Todavia, o que era para ser apenas um período da tarde tratando o ferimento enquanto se distraía com o filhote, virou uma cena perfeita de filme de terror.
Sentado em uma cadeira velha, o loiro apenas sorria com o cachorro aos seus pés, alheio à sua volta, não conseguindo reagir ao soco dado em sua cabeça. Atordoado e com uma forte tortura, o garoto conseguiu gritar, desesperado e angustiado, ao sentir a pele de seu ombro ser arrancado em uma única mordida, observando sua blusa ser encharcada com seu próprio sangue.
Em uma última chance de se salvar, o menor chutou seu agressor na vã tentativa de levantar, pois antes do ato se concretizar, Alcourt agarrou a perna ferida, perfurando a pele profundamente ao ponto de sentir o osso alheio entre os dedos. Sem compaixão, o homem apenas sorriu perversamente antes de quebrá-la ao meio, retirando sua mão e mostrando ao menor o próprio osso, orgulhoso pelo feito.
Para Alcourt, a cena a sua frente era maravilhoso: o chão antes limpo agora se encontrava em um vermelho rubro intenso, enquanto o garoto se contorcia de dor, apertando a região onde outrora fora sua perna. Levando a mão ensanguentada à boca, o mais velho apenas se deliciou com o sabor adocicado. Rindo, Alcourt caminhou lentamente até onde o garoto estava encolhido, com uma única ideia cravada à mente: deliciar-se-ia com o sangue e a carne daquele garoto, fazendo proveito do que restara mais tarde.
Afinal, necessitava de móveis e utensílios novos, inclusive de um novo lençol personalizado a seu gosto.
E naquele primeiro dia, ao entardecer, um último grito fora proferido, e a primeira vítima a jazer de modo macabro se fez presente: Rafael, um estudante esforçado, cujo sonho era se tornar médico para curar e cuidar das pessoas, dando um ênfase no significado de seu nome: medicina de Deus.
Mas houve uma vítima em especial: Alcourt não precisou levar seus cachorros até ela para que a garotinha fosse até sua casa, apenas deixou-os em seu quintal de cerca baixa de madeira e com a portinhola de entrada destrancada; ela mesma seguiu até a casa deles. Sim, os pais nunca haviam lhe ensinado sobre não falar com estranhos, ou entrar numa casa que era mal olhada pela vizinhança. Caroline Doran era seu nome, seus cabelos eram loiros com fios tão amarelados que pareciam macarrão, e eram tão perfeitamente encaracolados que era possível dizer que a garota fora esculpida por um lindo serafim de Deus. É curiosa a tal ponto de invadir a casa malfadada da vizinhança.
Abriu a portinhola de entrada sem nenhum cuidado, deixando-a aberta, queria loucamente ver os cachorrinhos que brincavam, mas eles fugiram para dentro da casa pela entrada de cachorros no rodapé da porta, escondendo-se da intrusa; ela os seguiu. Nem tão apreensiva, abriu a porta a qual estava perigosamente aberta, como se a convidasse para gozar de tudo o que lá dentro jaziam.
Caroline procurou os animais por cada cantinho da sala: embaixo do sofá, entre os travesseiros e nos vãos dos móveis, desistiu do cômodo, assim andou até a cozinha. O lugar era tenebroso, com iluminação precária das lâmpadas que falhavam. Parou de procurar ao ver três tigelinhas sobrepostas à mesa em ordem crescente da esquerda à direita, eram pequenas em raio e constavam com uma profundidade razoável.
Sentou-se na única cadeira da mesa, a qual jazia em frente às tigelas; com uma coloração branca, tinha o lombar do móvel desregular e com vários calombos e buracos, como se fosse colagem malfeita. Os braços do móvel era um maior que o outro; era dura e desconfortável de se sentar. Mudou de posição uma, duas e apenas na terceira conseguiu uma maneira menos dolorida, sem encostar nas costas da cadeira e com os braços espalhados pela mesa.
Pegara a colher branca — também desregular, parecendo ter sido feita com uma faca e lixa — que estava ao lado do prato; o conteúdo de cada um era vermelho e tinham tons diferentes.Tem uma cor estranha, afirmou. Serviu-se do menor prato de sopa, enfiou-a na boca e a repeliu no instante seguinte, manchando toda a mesa e cadeira com a coloração avermelhada. Está muito quente! — Gritou com a voz angelical. Deu uma colherada na tigela do canto direito, engoliu a força e comentou: — E essa está muito fria. — Bufou.
Pegou um bocado de sopa da tigela do meio, estava morna e viera junto a um pedaço de carne macia e volumosa. Ela saboreou toda a sopa entre as duas com felicidade, mesmo que tivesse um gosto metálico e textura viscosa. — Até que estava boa! — Sorriu ao comer até a última gota do prato, se a mãe visse que ela comera tudo, ficaria orgulhosa.
Agora, com a curiosidade à tona, tornou-se a andar pela casa. Entrou na segunda porta à direita no corredor, viu uma cama com três lençóis na cabeceira ao lado. Sentou-se nela e encostou as costas na parede e levantou o lençol de cima, sentiu a textura e o jogou de lado, esparramando-o no chão, nem passava em sua cabeça que aquela casa não a pertencia. —Esse lençol e áspero demais!
Emburrada, pegou o outro, este era macio e bem trabalhado, ao jogá-lo por cima do corpo, novamente reclamou: — E este é pequeno demais para mim. — Já estava ficando cansada da maioria das coisas daquela casa serem ruins. Catou o último da cabeceira, nenhum problema com a textura, deitou-se e jogou o lençol por cima de seu corpo, este ficou perfeito a ela, não era pequeno ou grande, não era duro e não parecia gasto. — Agora sim está bom!
Apreciou um pouco a mortalha, havia uns pelos espalhados, algumas partes com mais e outras menos. Assim, confortavelmente, adormeceu na casa de um estranho que todos julgavam ser maluco.
John Alcourt atravessou a portinhola da frente, achou estranho por estar aberta, tinha certeza que a deixara encostada. Adentrou a porta da frente e seguiu caminho até a cozinha, iria se aconchegar e comer com seus dois cachorros.
Com a precária luz era difícil ver o que acontecia no lugar, mas ele já estava acostumado a ver nessa situação; os dois cachorros estavam em cima da mesa, em frente a seus respectivos pratos da sopa — o menor e o do meio — eles estavam com os dentes à mostra e davam leves rosnados, mesmo assim, assustadores. O homem se aproximou das tigelas e viu: alguém sujara sua cadeira, mesa e colher que ele havia feito e nem se deu ao trabalho de deixar organizado, além da pessoa ter se deliciado com a sopa que ele preparara para a família.
Entrou nos dois cômodos antes de chegar a seu quarto, viu dois de seus lençóis jogados no chão e uma garotinha deitada em sua cama. Aproximou-se dela e pegou a faca em cima da cabeceira, afinal, era seu quarto, precisava sempre ter uma faca consigo. Os dois cachorros o seguiram.
— Fiquem à vontade. — Ele falou friamente. Os cães pularam na garota e Alcourt empunhou a faca, aproximando dela. Caroline estava gritando e agonizando com as mordidas dos animaizinhos que queria conhecer nesse mesmo dia.
Ela estava tingida em vermelho, só conseguia ver rubro, suas roupas eram carmim e pareciam uma só, seu cabelo virou ruivo e as bochechas magentas. Os cães dilaceravam sua pele; ela sentia pontadas no peito e um rio de escárnio. Por fim, fora degolada e John levantou a cabeça da menina por seus cabelos ruivos.
— Menininha atrevida, entrou em minha casa, tentou tocar com essas mãos imundas em meus cachorros, comeu a minha comida e da minha família, gozou de meus objetos por mim feitos a seu bel prazer, manchou meus lençóis com sangue e furou eles. — Deu uma pausa e sorriu, — Será um prazer ter você em minha coleção.
Esta foi uma parte da história de John Alcourt, o assassino mais cruel dos últimos tempos. Incrível, não? E você, caro amigo, acredita nessa história? Talvez ao terminar de lê-lo você comece a repensar em suas atitudes no cotidiano, afinal de contas, pessoas como eu e você não deveríamos nos meter onde não somos chamados, pois curiosidade mata.
E Alcourt pode aparecer para ensinar essa última lição.