— Qual a sua maior lembrança, vovô? — Perguntou a jovem.
— Eu sempre achei que azul era a cor mais bonita. Acreditava que o céu era a obra da natureza mais bela que existia. Até que eu vi o verde. O mais belo verde. Sobre meus pés havia o tapete da natureza, ao meu redor existia o clima úmido tão ameno que acalentava meus pulmões mesmo eu respirando com certa brutalidade, e dentro de mim havia felicidade. Eu tinha cerca de sete anos, mas lembro-me perfeitamente o quanto aquele lugar me fazia bem, o quanto amava cada centímetro quadrado, cada folha, cada grão de areia. Corria como se aquele momento, o mundo fosse meu. Corria como se o tempo, obrigações e problemas não existissem. Enquanto eu corria a vida simplesmente parava, o tempo deixava de existir. Minhas pernas, embora curtas, levavam-me aonde pessoas comuns jamais chegaram. Eu cortava o ar entre braçadas desajeitadas, saboreava-o com minha boca entreaberta, piscava rápido para não perder sequer um segundo sem admirar a paisagem. O céu com um azul tão claro apontava o quão cedo era. Eu corri despreocupado com a língua de fora olhando como besta para o céu e algumas nuvens. Em meus lábios se encontrava o maior sorriso de satisfação que você pode imaginar. Meus ouvidos captavam o som dos pássaros que cantarolavam ali perto de onde eu estava e o som que o vento faz ao bater em nossas orelhas. Em cada passada eu fazia questão de apertar as pontas dos dedos e impulsionar ainda mais. Queria correr mais, queria me tornar um com o vento. Meu cabelo dançava a música que meus passos tocavam, meu pulmão deliciava-se com o ar fresco. Eu já não estava correndo. Estava voando.
O senhor de idade interrompeu por alguns segundos sua narrativa:
— O senhor está bem, vovô? — Disse a jovem preocupada com sua tosse desferindo pequenos tapas nas costas.
— Sim, sim, minha querida. Deixe-me continuar contando-lhe a maior lembrança que tenho.
A jovem se sentou novamente no sofá e disse:
— Parece um lugar lindo, vovô. Certamente os momentos que o senhor passou lá foram tão bons que jamais poderia esquecer.
O homem ficou em silêncio por alguns segundos e depois de uma risada curta e abafada ele continuou:
— No auge da minha imaginação eu acreditava piamente que estava voando. Estiquei meus pequenos braços e como a mais boba criança os balancei de modo que se assemelhassem ao movimento dos pássaros. Quisera eu imitar a graciosidade com que as aves movimentam suas asas, mas a criatividade é para o homem o que é voar para os pássaros. Mesmo sem perceber o quão desajeitado e bobo era aquilo eu continuei voando e voando por todo o campo. Sentindo-me o mais imponente falcão eu fitava as pessoas no horizonte e, ao mesmo tempo, sentindo-me o mais gracioso canário eu imaginava-me dançando no ar entre toda sorte de piruetas...
Um longo tempo se passou até que a jovem tomou a palavra:
— Essa é a lembrança mais bela que eu já ouvi, vovô! Eu adoraria conhecer esse lugar lindo!
O homem permaneceu fitando o chão por um tempo. A jovem notou uma tímida lágrima passear pelo rosto de seu parente terminando no chão.
— Minha jovem... Minha maior lembrança é a de quando podia andar.