Era só mais um fim de tarde de quinta-feria. Hora da saída do curso.
Uma conversa com alguns amigos ali, algumas dúvidas resolvidas, uma ajuda para uma amiga antes de ir embora. Nada fora do normal até o momento em que pisei fora do prédio.
Como sempre, coloquei os fones de ouvido. Era um velho hábito, só para não ter que escutar os vendedores da esquina oferecendo produtos pirateados ou vendedores de operadora tentando me empurrar um chip para o celular.
No geral, eu passava por eles somente me atentando para não tropeçar na calçada ou para atravessar as ruas até a parada de ônibus ou para não esbarrar nas outras pessoas que começavam a lotar a rua depois de sair do trabalho e enfim poderem voltar para casa depois te der que passar por um dia estressante, como devia ser todos os dias onde havia comércio.
Andava com a cabeça erguida, séria, olhando em frente e ao mesmo tempo sem olhar para lugar algum. As pessoas passavam do meu lado como borrões, imagens turvas, e eu realmente não me importava. Só queria chegar à parada de ônibus e ir para casa.
Fiquei parada em frente ao shopping, ia atravessar a rua principal. Olhei o relógio só para ter certeza de que o ônibus ainda não havia passado. O sinal fechou para os carros. Então levantei os olhos. E atravessei.
Sabe aquele momento em que alguma coisa lhe chama a atenção e você não consegue parar de olhar? Nesse caso foi um alguém. E ela era linda, de um jeito simples. Sem toneladas de maquiagem ou roupas exageradas. Não era uma miss universo, mas era linda. E não consegui parar de olhar, até senti necessidade de tirar os fones.
Atravessamos nas direções opostas, ela notou que eu a observava e também me dirigiu o olhar enquanto nos cruzávamos. Se eu fiquei boba quando ela sorriu um tanto tímida? Com certeza. Se eu tropecei no meio fio na calçada? Também. Quase me encontrei no chão. Endireitei-me como se nada tivesse acontecido, o rosto estoico por um momento enquanto tentava fingir que o tropeço não havia ocorrido. Olhei para trás, procurando a moça do outro lado; ela ria sem emitir som.
Eu ia voltar; correria ao outro lado só para puxar assunto, para fazer uma graça e tentar arrancar outro sorriso dela, mas o semáforo abriu para os carros. O ônibus atrapalhou minha visão do outro lado, o trânsito fluindo rápido, coisa que raramente acontecia em horário de pico. As pessoas se esbarrando para subir no transporte, vendedores berrando e oferecendo suas mercadorias pirateadas mais uma vez. Perdi meu foco da garota por uns instantes.
Quando o semáforo fechou, procurei-a do outro lado. Ela não estava lá. Poderia ter ido para qualquer lugar.
Como ir atrás dela? Será que ia valer a pena? Será que ela ao menos era interessada em garotas ou estava, mesmo sem querer, apenas se divertindo com minha falta de atenção? Eu teria mesmo coragem de ir falar com ela como havia se passado pela minha cabeça? Teria ela olhado para o lado em que eu estava mais uma vez antes de sumir?
Perguntas de mais... como muitas outras que ficariam sem resposta naquele fim de tarde de quinta-feira. Perguntas sem respostas e que perderiam o sentido nos próximos minutos. Nunca mais nos veríamos. Éramos apenas estranhos atravessando a rua afinal de contas. Estranhos indo por caminhos que provavelmente nunca mais se cruzariam.
E foi como se os olhares não tivessem acontecido.
Recoloquei os fones.
Ainda precisava pegar o ônibus para casa.