Evelin
Era difícil entrar em casa e não ver as luzes do antigo escritório do meu pai iluminando o corredor. Me sentia vazia por dentro e totalmente sozinha em nossa casa imensa. Eu tinha a minha mãe ao meu lado, mas ultimamente nos encontrávamos tão raramente que parecia que eu morava sozinha. A cabeça dela estava tão lotada com os assuntos da empresa e da morte do meu pai que eu não sabia como ela conseguia permanecer, aparentemente, inteira.
— Filha?!
O tom de surpresa da voz dela fez eu me dar conta do quão longe eu estava. Paralisada no meio do corredor enquanto encarava a porta fechada em minha frente. Liberei meus olhos dali e então, com um sorriso tímido e com o corpo mais relaxado, olhei para ela.
— Chegou tarde hoje, mãe. — A abracei.Foi uma questão de segundos para eu me sentir protegida com todo o seu amor.
— Perdão! — pediu. — Mais uma vez não cheguei a tempo de jantarmos juntas. — Senti ela querer se proteger em mim também ao me apertar um pouco mais. Aceitei seu gesto a recebendo. Ficamos assim por alguns segundos. — Hoje foi um daqueles dias. — ela continuou se explicando com um ar de riso, mas sem sinal de humor.
Me afastei dela, deixando nossas mãos unidas. Sua frase, mais sem emoção do que o habitual, me preocupou.
— Está tudo bem? — Olhei para seus olhos tão verdes tanto os meus.
— Claro, meu bem! Não se preocupe. — Seu sorriso forçado não me convenceu.
Suspirei desapontada por ela não querer se abrir comigo. Como consolo, recebi um carinho no rosto. Dona Liza achava que eu era jovem demais para dividir os seus problemas comigo, mas ela estava enganada.
— Mamãe, a senhora não precisa resolver tudo sozinha. — esclareci. — Eu posso ajudar. Não sou mais criança, eu posso muito bem...
Pensei que iria interromper meu discurso para aceitar meu amadurecimento e não, de repente, se sentir a pior mãe do mundo.
— Evelin! Céus! — Ela levou as mãos até a boca com os olhos arregalados. Seu abraço, diferente de outrora, fora desengonçado, me tirando quase todo o ar.— Minha querida, me perdoe. Feliz aniversário. Com toda essa correria eu me esqueci completamente. Amo você, querida.
— Mãe, não se preocupe. E... eu também a amo.
Fazia exatamente uma semana que eu havia completado 17 anos. Eu estava esperando tanto esta data, mas quando veio, eu nem me importei. Lina, minha melhor amiga, e Mateus, meu namorado, tentaram me motivar para sair e comemorar, mas eu ainda estava de luto. Perder o pai em uma batida de carro não de fácil, principalmente se você estava junto e não sofreu dano algum. Seis meses era pouco para mim.
— Peça o que quiser. — Minha mãe me olhou mais alegre. Era nítido que a lembrança do meu aniversário lhe dera um pouco de felicidade. — Uma joia? Uma viagem? Uma viagem seria ótima agora nas férias.
— Quero te ajudar, mãe. — deixei claro de imediato.
— Não. Eu não quero você no meio de toda aquela papelada e preocupação — ela respondeu firme, mas carinhosamente. — Deixa que eu me preocupo com isso. Além do mais, o senhor Cupper hoje se ofereceu para me ajudar na empresa e como ele era o melhor amigo do Pedro, aceitei. — Ela sorriu. — Com isso terei mais tempo para estar com você.
—Mas, mãe!
— Filha, quero que você se preocupe com seus estudos. — Eu iria argumentar, mas ela continuou. — Vamos voltar com nossas vidas e seguir em frente. Tenho certeza que esse era o desejo do seu pai.
Suspirei, vencida. Eu não tinha dúvidas, ele realmente desejaria o melhor para nós. Na vida ou na morte.
Depois desse dia, decidi me empenhar mais nos estudos e tentar voltar a minha vida. Era complicado porque tudo me fazia lembrar dele, porém eu estava me esforçando.
Com a ajuda do senhor Cupper, mamãe realmente estava com mais tempo. Me lembro dele frequentando minha casa desde os meus 10 anos, mas ele me era apenas um conhecido.
Vê-lo no escritório do meu pai, sentado na cadeira dele, era estranho. Eu sempre evitava aquele corredor quando as luzes do cômodo estavam acesas. Talvez eu não era madura o suficiente mesmo, já que sua presença começou a me incomodar. Eu via o pobre homem como um usurpador.
O tempo foi passando e Fernando foi se achegando. Ele agora estava sempre por perto, ajudando no que precisássemos. Ele estava sendo legal, mas no fundo eu ainda não conseguia recebê-lo por completo.
Um ano depois, percebi que Copper estava perto até demais. Suas visitas, que antes eram à tarde para passar os relatórios da empresa para a minha mãe, se tornaram noturnas. De longe se ouvia os risos que outrora eram apenas algumas trocas de palavras. Quando notei o que realmente estava acontecendo, já era tarde demais. Fernando já ocupava o assentado na ponta da mesa para tomar seu café da manhã e já cumprimentava minha mamãe com um beijo nos lábios. Sim, ela se casou com ele. Se eu aceitei? Aceitação não seria a palavra certa. Eu apenas não me opus. Minha mãe era adulta e se ela achava que era hora de prosseguir, quem eu era para a impedir.
O sentimento de um pelo outro me parecia tão verdadeiro, que logo me vi obrigada a tentar aceitá-lo. Todavia, esse início de aceitação não durou muito. Me dei conta que a minha antipatia por ele não era sem motivo. Sem querer acabei descobrindo que Fernando tinha um relacionamento extraconjugal.
Eu estava em uma festa com o Mateus, Lina e uns amigos. A noite estava eletrizante, tudo teria sido perfeito se meus olhos não tivessem flagrado meu padrasto tomando um drinque com uma moça um pouco mais velha que eu. Meu coração gelou e meu corpo travou. Paralisei no meio da pista. Meus olhos saltaram quando os vi se beijando. Nunca vou me esquecer dos braços de Mateus agarrados ao meu corpo, me impedindo de alcançar os cabelos daquela garota. Eu nunca fui de brigar, na verdade eu nem sabia o que estava fazendo. Eu... apenas estava. Entre xingamentos para o casal infeliz, Mateus e Lina me tiraram dali.
Não pensei duas vezes em contar para minha mãe. De momento ela acreditou em mim, mas poucos minutos depois Fernando apareceu acompanhado com a tal garota. Eu disse que a infeliz era ela e quando pensei em os expulsar de casa fiquei totalmente perdida ao ouvir minha mãe rindo de todo aquele inferno. Dona Elizabeth disse que aquela moça era Larissa, a filha dele, e que eu devia desculpas aos dois. Filha?! Nunca. Tentei retrucar dizendo que era mentira, que eu tinha realmente visto eles se beijando, mas não adiantou. Ela continuou dizendo que eu tinha visto de mais e que não era uma boa ideia eu beber. Até parece que um drinque me faria alucinar tudo isso.
Depois desse episódio, minha relação com minha mãe nunca mais foi a mesma. Não adiantou voltar no assunto, ela preferiu acreditar neles do que na própria filha. Minha vontade era de desaparecer, mas apesar das nossas constantes discussões, eu não a abandonaria. Com isso, eu tive que conviver com ele sobre o mesmo teto e aturar as aparições da vagabunda.
Eu evitava fazer refeições na presença dele, mas tinha dias que era impossível. Em uma manhã, em que minha mãe quase me obrigou a me sentar juntos com eles, ele me perguntou:
— Não vai tomar seu café, querida?
— Não me chame assim — respondi, sem olhar para ele.
— Me desculpe, querida.
—Não sou sua querida. — O encarei. Ali vi que ele estava fazendo de propósito. Seu sorriso no canto da boca me irritava. — Como pode ser tão hipócrita?
— Evelin! — minha mãe me advertiu.
— Está tudo bem, Liza. — Fernando a tocou no rosto, da mesma forma que ela fazia comigo.
Aquilo me dava nojo. Como ela não percebia aquela farsa? A amante dele ia em casa e ela a tratava como uma princesa. Estava impossível de conviver no meio daquele lamaçal de podridão. Assim que a boba da minha mãe dava as costas, eles se pegavam. Se Mateus ou Lisa tivessem visto o beijo naquela noite talvez ela acreditaria em mim. Mas eu não desistiria, eu só precisava, de algum jeito, escancarar a traição para ela e não mediria esforços para o fazer. Sei que seria dolorido, porém teria fim.
Foi então que tive uma ideia que, para mim, parecia infalível. Peguei minha câmera e me escondi no guarda roupa do quarto de hóspede. Larissa estava em casa em mais um dia que minha mãe teria um compromisso. Eu os pegaria no flagra.
A porta mal foi fechada e eles já se amassavam. Que nojo! Eu queria vomitar.
Em poucos segundos, antes mesmo dele a deitar na cama, eu já tinha mais que o suficiente. Desliguei a câmera, fechei os olhos e tampei os ouvidos.
Aquilo foi uma tortura que parecia não ter fim. Minutos depois, tentei me esticar, mas me dei mal. Acabei me desequilibrando. Esbarrei na porta que se abriu, me fazendo ir ao chão.
Ele foi tão rápido. Assim que abri os olhos me deparei com seus pés a centímetros de meu rosto.
— Olha só o que temos aqui! — falou. Seu tom de voz me assustou. Ele estava sereno demais. Fernando me pegou pelos ombros e me ergueu com um sorriso perturbador. Ele estava despido e isso me deixou ainda mais encabulada. — O que estava fazendo? Hein? — Fernando tentou tocar em meu rosto, mas me afastei.
Larissa surgiu atrás dele, enrolada no lençol e olhando para o chão.
— Você nos filmou? — perguntou ela, abaixando em minha frente. A câmera logo estava em suas mãos.
— O que?! — Fernando a tomou das mãos dela e em seguida me encarou. Sem demora sua mão livre se embaraçou fortemente em meus cabelos loiros.
—Me solta! — Me encolhi.
— Quer saber, minha querida! Eu já fui muito bonzinho com você.
— Me solta! Esta me machucando!
— Eu estava tentando superar a sua sobrevivência no acidente, mas você parece que, dia após dia, tem me pedido para te eliminar também — revelou, me lançando sobre a cama ainda úmida.
Me levantei rapidamente, totalmente abalada com o que me disse.
— Está confessando que forjou a morte do meu pai? — Lágrimas de ódio e tristeza me envolveram.
— Acidentes acontecem, Evelin. — Fernando caminhou em minha direção. — Você, por exemplo, pode sem querer cair da sacada. Seria mais uma fatalidade.
Sua ameaça fez um calafrio cirandar por todo o meu corpo. Fernando me agarrou, virando rapidamente meu corpo de costas para ele e apertando a mão em minha boca. Pela primeira vez senti medo.
— Não precisa matar a garota, Nando. — Larissa falou, acendendo um cigarro.
— E o que você sugere, querida? — ele perguntou, inspirando lentamente o perfume que envolvia meu pescoço. — Vendê-la?
— Não sei. — Ela se levantou e começou a andar de um lado para outro. De repente Larissa encarou a bituca de fumo e, com um sorriso que odiei, concluiu. — Aquele seu amigo, tranqueira, da polícia. O.… como é mesmo o nome dele?
— Derick?!
— Isso! — confirmou, como se tivesse ganhado um sorteio. — Pelo que sei, ele nos deve um favor.
— No que está pensando?
Com um sorriso maléfico, respondeu:
— Eu tenho alguns pinos de cocaína na bolsa. Liga para ele. Diga que ele precisa correr para prender uma jovem traficante.