A previsão do tempo, felizmente, tinha errado miseravelmente e o dia estava lindo, com sol forte, temperatura agradável e sem vento. Assim, o casal, Francisco e Michele, decidiu dar continuidade ao seu plano de acampar nas margens do rio Turvo durante o final de semana.
— Vai ser legal, né, Miche?!
— Vai sim!
Com o porta-malas cheio de roupas, barraca e utensílios de higiene pessoal e de cozinha, o casal pegou a estrada para dirigir-se até o local do acampamento. Alguns quilômetros foram feitos, quando Michele perguntou:
— Mor, fechaste a torneira da pia do banheiro?
— Hehehe. Pareces o pai com essas perguntas. Claro que fechei.
— Mesmo?
— Pior que acho que não fechei não, amor.
Assim, o carro é manobrado sobre a pista e o casal volta para casa para conferir a torneira e, de quebra, a boca do fogão. Com isso, a viagem que era pra ser de apenas vinte minutos se estendeu por quase uma hora. No entanto, nada disso abalou o ânimo do casal, que assim que chegou às margens do rio Turvo encontrou um lugar apropriado e seguro, armou a barraca e sentou-se sob a sobra de uma grande árvore para descansar.
— Achas que aqui é um lugar bom, Chico?
— Acho que sim, Miche. O lugar é limpo, tem grama no chão, conseguimos chegar com o carro até perto. Tem bastante gente que vem acampar aqui. Não sei como conseguimos lugar, inclusive.
— Verdade. Tivemos sorte. E aqui é bem legal mesmo. O rio está logo aí e vem um ventinho bem refrescante.
Com a cuia indo e voltando, o casal ficou bem à vontade naquele espaço que parecia ser deles. No meio da tarde, caminharam entre as árvores para procurar pedaços de madeiras que poderiam ser queimados em fogueiras para manter o lugar aquecido e iluminado, além de fornecer calor o suficiente para aquecer a água e preparar a janta. Com a lenha separada, sentaram-se na beira do rio para molhar os pés e conversarem sossegados sobre os mais variados assuntos. Bebiam um chimarrão amargo e comiam bergamotas que tinham trazido de casa. Estavam muito animados, a ponto de não parar de sorrir por um instante que fosse. Ao entardecer, começaram os preparativos para a noite e, assim, acenderam as fogueiras. A janta seria bife acebolado com pão e a carne, portanto, precisava ser temperada com a luz do dia.
— Quer que eu tempere os bifes, Chico?
— Pode ser. Eu descasco as cebolas, por enquanto.
— Certo. Tu pegaste a pimenta?
— Sim, tá aqui.
— E o alho?
— Tá aqui, olha. Já está até picado.
— Muito bom, amor. E o sal, tu pegaste?
— Claro, né, amor?! Achas que sou tão avoado assim?
— Hehehe, tá bom, desculpe. E por que tu não estás cortando as cebolas?
— É que as esqueci em casa, hehe.
— Ai, mor! Tu és sempre assim: vive no mundo da lua!
— Eu não vi as cebolas lá em casa, aí não lembrei.
— Elas estavam entre os bifes e os temperos, numa sacola branca. Como não viste?
— Eram cebolas na sacola? Que coisa, hehe. Pensei que fosse qualquer outra coisa.
— Iam ser o que se não as cebolas? Os pães? Tu pegaste o pão, né?!
— Pior, os pães...
— Ai, Chico! Tu és muito estabanado!
O casal obrigou-se a comer os bifes sem nenhum acompanhamento, o que, de fato, não foi nenhum sacrifico; a carne era de boa qualidade e estava bem temperada e frita. Após a refeição, com a noite já estabelecida, o casal sentou-se em torno de uma das fogueiras e Francisco puxou um saco de marshmallows de dentro de suas coisas, o que deixou Michele muito feliz; ela sempre adorou o doce, ainda mais assados na fogueira. Ambos ficaram por algumas horas conversando e se divertindo com histórias de terror — as quais estavam mais, na verdade, para comédias das mais engraçadas.
O tempo passou e decidiram que o melhor a fazer eram encerrar a noite e ir dormir. Já estavam cansados e a noite estava cada vez mais escura, devido as nuvens que encobriam a lua. Em instantes, as fogueiras estavam apagadas e ambos no interior da barraca, onde começaram a conversar novamente.
— Miche, acho que vi um relâmpago.
— Mesmo? Será que não eram os faróis dos carros que passam lá na rodovia?
— Pode ser, pode ser. Mas enfim, que escuro que está agora, né?
— Aham, não dá pra ver nada.
— Deixa que vou grudar em ti para te proteger.
— Isso, amor, vem, me abraça e me protege dessa noite escura.
De repente, um forte estrondo é escutado. Luzes começam a percorrer o céu, iluminando todo o local. As árvores, até então em silêncio, começaram emitir sons devido ao vento. Com a escuridão da noite, o casal não percebeu que uma forte tempestade se aproximou e que agora estava prestes a desabar sobre suas cabeças.
— Mor? E essa chuva?
— Eu não sei, Miche. A previsão dizia que choveria durante o dia, mas nada de temporal.
— Hoje, estava muito quente mesmo, ou seja, um temporal não é nada de anormal.
— Com certeza. Mas a previsão não deveria mudar tanto. Olha o que ela dizia hoje de manhã.
— Mas, Chico! Tu olhaste para Caxias do Sul. Tu tinhas que ter olhado para cá!
— Putz, é verdade. Enganei-me!
— Vamos embora, que senão o rio vai nos levar embora!
— Não é para tanto, moreco.
— Olha essa chuva, Chico! Está muito forte! Certamente o rio vai aumentar de nível.
— O rio é grande. Tem que chover e muito para ele subir de nível.
— Ah!! Chico! O rio já chegou aqui! Ele está molhando os meus pés!
— Acalma-te, mor. Isso é a chuva.
— Como “chuva”? Tu não fechaste a barraca direito quando entraste?
— Fechei, fechei, amor. Acalma-te. É que eu acabei me confundindo e peguei a barraca que está furada por engano.
— O quê? Ah, mas tu és um cabeção, hein, Chico! Vamos embora daqui!
Assim, o casal saiu debaixo de muita chuva e jogou todas as suas coisas, de qualquer maneira, dentro do carro. Estavam completamente encharcados e rumando para casa, sentindo-se frustrado por não terem conseguido acampar. A chuva os acompanhou por cerca de dez minutos e, quando chegaram em casa, o céu estava novamente estrelado.
— Dava para ter ficado lá, Miche.
— Com aquela chuva? O rio ia nos levar embora. E se eu tivesse visto na previsão que era pra ter temporal, eu não iria, tal como fizeram todos os outros que não estavam lá.
— Desculpa, amor. Eu olhei errado.
— Hoje te superaste, Chico! Esqueceste metade da comida em casa, pegaste a barraca errada, olhaste a previsão do tempo lá pra Caxias...
— Ah, Miche. Foi sem querer. Tu sabes que sou bem estabanado.
— Estabanadão!
— Hahaha, verdade. Mas foi legal hoje. Preparamos a barraca, fizemos nossa comida, contamo-nos histórias trevosas que nos faziam rir...
— Assamos marshmallows...
— Isso aí. Na próxima a gente faz tudo certo.
— Faz tu tudo certo. Eu sempre faço.
— Tá bom, Miche. Tá bom. Na próxima vez vai ser mais legal ainda.
— Hehehe, está bem, seu bobão. Mas que não se repita!
Francisco e Michele encharcados rumaram para o banho, onde se aqueceram e puderam colocar roupas secas. Após, organizaram o carro e guardaram todos os apetrechos de acampamento em seus lugares. Por fim, voltaram a deitar, grudadinhos, e a conversar. O sentimento era de uma leve frustração por não terem passado a noite toda no local, mas estavam radiantes por terem tido um dia muito agradável, em que ambos puderam desfrutar do aconchego das suas companhias com muita felicidade.