PRIMEIRA CENA: EXT. MANSÃO DAS SOMBRAS - TARDE (14H)
[Dia 6 de Junho de 666]
A Mansão das Sombras está funcionando a todo vapor. Diversos empregados andam por todos os lados carregando tecidos, cadeiras, mesas e vasos contendo as mais variadas flores para o jardim da residência, onde, às 18h, acontecerá a comemoração das Bodas de Fabulita¹ de Pablo e Fubuki. Muitos convidados importantes estariam presentes, assim como alguns membros da família Infernal, com exceção de Meiling — que fora convocada de última hora para resolver um grave incidente pandêmico em sua cidade natal. A família Infernal possui uma ligação muito profunda com o casal Calígula por conta da amizade, que beira a irmandade, cultivada por Diablair e Pablo desde tempos remotos. Justamente por essa proximidade, a família Infernal foi convocada a ajudar nos preparativos da comemoração, que serviria de palco para o debute de Tristeza, tendo em vista que o casal considerava ela, Imperatriz, Tortura e Ternura como sobrinhas. Neste momento, Fubuki está recebendo ajuda de Tristeza, Tortura e Imperatriz acerca do posicionamento dos convidados.
IMPERATRIZ: Tia, se a senhora colocar os Líderes Infernais na mesma mesa que os Sacerdotes de Judas, com certeza suas bodas serão manchadas por um massacre.
TORTURA (para Imperatriz): Tem razão, minha madrinha. Aliás, eu não deixaria os Hunters na mesma mesa que os Selkies.
TRISTEZA: Os Hunters não costumam caçar Selkies?
IMPERATRIZ (bufando): Caçar é eufemismo. Sugiro que você os deixe separados também, tia Fubuki.
FUBUKI (segurando os papéis com a planta dos assentos dos convidados): Pela Deusa Afogada dançando com trinta demônios, nós conseguimos reunir todas as pessoas mais complicadas do submundo em um só lugar.
[Um dos empregados aparece, faz uma reverência e entrega um envelope para Fubuki, afastando-se em seguida. A mulher lê rapidamente o bilhete.]
FUBUKI (suspirando): O violinista ficou doente. Não poderá vir. Talvez seja prudente cancelar a festa e…
[Tristeza espirra, interrompendo Fubuki. Imperatriz e Tortura encaram a jovem. Fubuki entrega um lenço para a sobrinha.]
TRISTEZA: Com sua licença, tia, mas se me permite dar a minha opinião… Talvez os Líderes Infernais devam se sentar com as Rainhas Infernais, pois todos sabem que eles são amantes. Isso fará com que eles se distraiam durante a festa e não queiram matar os Sacerdotes de Judas que, em minha opinião, devem se sentar com os Sacerdotes da Deusa, pois o boato que corre pelo Inferno é que os Sacerdotes de Judas pretendem fazer uma proposta de união de igrejas aos Sacerdotes da Deusa. Um acordo de paz firmado em suas Bodas, com certeza, é uma bandeira branca. Os Hunters podem se sentar conosco, afinal é somente Black e alguns de seus homens que são quase de nossa família, o que deixaria a minha irmã mais velha muito feliz e impediria uma fuga dos dois no meio da festa. Os Selkies podem se sentar com os Bruxos, já que eles mantêm boas relações. E, sobre o violinista doente, Ternura pode tocar no lugar dele.
[Todas olham para Tristeza boquiabertas.]
IMPERATRIZ: Como você sabe sobre todas essas fofocas?
TRISTEZA (dando de ombros): Não passo o dia todo chorando. Gosto de ler revistas de fofoca.
[Tortura solta uma risadinha. Fubuki coloca a mão sobre os cabelos de Tristeza e sorri.]
FUBUKI: Parece que essa mocinha aqui resolveu todos os nossos problemas. Isso nos dará tempo para pensar no seu debute de hoje de noite.
TORTURA (com severidade): E nem pense em fugir.
TRISTEZA (confusa): Você fugiu na noite em que debutou.
TORTURA: Fugir é diferente de escapar por algumas horas e voltar depois.
[Tristeza arqueia uma das sobrancelhas.]
FUBUKI: Apesar da fuga de sua irmã, ela também debutou, Tristeza. Não há escapatória. Nunca me esqueço de Black ameaçando todos os pretendentes com o olhar naquele dia.
IMPERATRIZ: E o Tio Diab querendo matar ele.
TRISTEZA (determinada): Mas eu não pretendo amar ninguém, nunca.
IMPERATRIZ (suspirando): Todas nós dissemos isso...
TORTURA (sorrindo): E, no entanto…
FUBUKI (encarando com carinho Tristeza): Todas nós nos apaixonamos.
[Tristeza olha confusa para sua irmã, prima e tia que acabaram de pronunciar a frase como se fossem uma única pessoa.]
FUBUKI (apertando a bochecha de Tristeza): Você não precisa entender isso agora, só precisa se focar em debutar. Mas saiba que nós jamais permitiremos que você se relacione com alguém que não a ame, minha doce Tristeza.
MUDANÇA DE AMBIENTE: INT. MANSÃO DAS SOMBRAS - TARDE (16H)
Diablair caminha pelo enorme corredor sombrio, que contém diversas estantes. Ele sorri ao reparar na quantidade absurda de livros que Pablo possui não somente naquele local da casa, mas em todos os outros. Afinal, havia uma pilha de livros por metro quadrado na Mansão das Sombras. Este corredor sombrio com atmosfera literária dá acesso a cozinha, por conta disso, um cheiro doce paira no ar. Ao chegar na porta de acesso da cozinha, Diablair encontra a cozinheira da casa.
DIABLAIR: Madame Crocx, a senhora por acaso não viu passar por aqui uma caubói infante?
MADAME CROCX (sorrindo): Sim, senhor. Ela está muito reflexiva e irritada hoje, mas pediu para ficar aqui, porque o cheiro dos doces a acalmam.
TERNURA (emburrada): Parem de falar como se eu não estivesse aqui.
DIABLAIR: Madame, creio que o trabalho por aqui acabou, sim?
MADAME CROCX (sorrindo e tirando o avental): Sim, só há alguns biscoitos naquele forno ali.
[Madame Crocx aponta para o forno no qual a pequena Ternura está diante, olhando com atenção os biscoitos assando.]
DIABLAIR: Acredito que posso olhar isso para a senhora descansar.
[Madame Crocx faz uma reverência para Diablair e sai da cozinha. Diablair senta em um dos bancos.]
DIABLAIR (despreocupadamente): A festa vai começar em breve.
TERNURA (emburrada): Eu não vou.
DIABLAIR (arqueando a sobrancelha): Posso saber o motivo?
TERNURA (sussurrando): Porque todos estão crescendo e eu não…
[Diablair sente uma pontada no peito, como se tivesse levado uma facada. O Líder Infernal se levanta e se senta no chão ao lado de Ternura.]
TERNURA (com as mãos encostadas no vidro do forno, com o olhar distante): Estou feliz pela Tristeza estar debutando hoje, de verdade, mas… A cada dia que passa parece que isso não vai acontecer comigo. Sei que ainda sou pequena, mas eu quero casar, gostar de alguém, ter nenéns…
[Ternura olha para Diablair, segurando o choro. O tio pega a pequena mão da sobrinha.]
DIABLAIR (comovido): Você vai crescer e…
TERNURA (interrompendo Diablair, histérica): EU NÃO VOU! EU SEI QUE NÃO VOU! A MAMÃE ME DISSE!
[Ternura abraça o tio e começa a chorar. Diablair retribui o abraço, como se o gesto pudesse consolar por completo a sobrinha.]
DIABLAIR: Você vai crescer. Vai ser todas as coisas que você quiser. Nem a Deusa pode te impedir.
TERNURA (se afastando do tio e fungando): Mas como vamos ir contra a Mamãe?
DIABLAIR (apertando com carinho o nariz da sobrinha): Daqui a um ano, vamos obedecer um desígnio. Não posso falar muito a respeito, mas você tem que me prometer ser forte!
[Ternura balança positivamente a cabeça várias vezes. Diablair ri.]
DIABLAIR: Então tudo dará certo. Agora… que tal arrumarmos seu cabelo?
[Diablair pega Ternura no colo e a coloca no banco em que estava sentado antes.]
TERNURA (mexendo freneticamente os dedinhos em cima da bancada e partículas de brilho saem dos mesmos): Pente, pentinho. Apareça para esse tiozinho.
DIABLAIR (em tom de reprovação): Ei, mocinha, que espécie de rimas são essas?
[Uma caixa cor de rosa cheia de borboletas aparece sobre a bancada. Ternura tira a tampa e começa a remexer o conteúdo. Diablair pega o pente rosa e começa a pentear os cabelos de Ternura.]
TERNURA (despreocupadamente): Black disse que o importante é a magia funcionar.
DIABLAIR (com uma carranca): Black é um idiota. Não ouça nada do que ele lhe falar.
TERNURA (encarando o tio, incrédula): Mas ele é meu professor!
DIABLAIR: Então, ele está demitido.
TERNURA: Você vai tratar meu namorado mal assim, também?
[Diablair engasga com absolutamente nada e quase derruba o pente rosa de suas mãos.]
DIABLAIR (preocupado): Como assim, namorado?
TERNURA (olhando novamente para o forno): Madame Crocx disse que um dia vou ter um namorado e que ele vai me amar muito.
DIABLAIR (sussurrando entre os dentes): Não se eu matá-lo antes…
[Ternura não ouve a resposta do tio, então continua encarando o forno. As pernas suspensas da menininha balançam no banco, enquanto Diablair coloca o pente de volta na caixa e começa a fazer um penteado no cabelo de Ternura.]
DIABLAIR: Já que a senhorita está pensando em crescer, hoje vai usar um coque alto e um adereço especial, como uma jovem crescida.
TERNURA (com os olhos brilhando): Um coque alto como uma moça grande? E qual adereço?
DIABLAIR (prendendo o coque de Ternura com grampos): Sim, como uma moça grande. Sua tia Fubuki pediu que eu te entregasse isso.
[Diablair tira uma caixinha preta de dentro do casaco e a entrega a Ternura. A menina abre a caixinha. Dentro dela há um diadema de prata, ornado com pequenas morganitas em formato de flor. Ternura passa os dedinhos pelos detalhes do diadema. Diablair sorri.]
TERNURA (encantada): É tão lindo…
[Diablair pega o diadema e coloca-o na cabeça de Ternura. A menina leva as mãos ao topo da cabeça. O forno faz um barulho, anunciando que os biscoitos estão prontos. Diablair pega uma luva e abre o forno, retirando a bandeja com os biscoitos.]
DIABLAIR: É melhor você comer antes de ir.
TERNURA (arqueando as sobrancelhas, enquanto pega duas canecas na bancada): Mas a festa é só às 18h.
DIABLAIR (colocando vários biscoitos em um prato): Você terá uma missão hoje, mocinha. Vai tocar violino.
[Diablair coloca os biscoitos na bancada e faz um feitiço para que suco de maçã apareça nas canecas. Ternura bate palmas.]
DIABLAIR: Você terá que decorar o repertório todo e se não souber alguma música, tem que dizer aos músicos.
TERNURA (pegando um biscoito): Não se preocupe, tio. Eu já sei todas as músicas!
DIABLAIR (dando um gole no suco e pegando um biscoito, desconfiado): E como você sabe disso?
TERNURA (desviando o olhar do tio e fazendo bico): Talvez eu tenha invadido um ou dois ensaios dos músicos.
DIABLAIR (com os olhos cerrados por cima da caneca): Então era isso que você andava fazendo esses dias todos, sua espertinha.
[Ternura sorri com vários farelos de biscoito na boca. Diablair a encara com doçura.]
DIABLAIR (encarando o biscoito de nozes com gotas de chocolate): Você que fez esses biscoitos?
TERNURA: Sim, você gostou?
DIABLAIR: Gostei, sim! Você cozinha muito bem.
TERNURA (levantando um dos dedos e imitando a voz de Meiling): “Você deve conquistar um homem pelo estômago"
DIABLAIR (fazendo uma carranca): Esqueça o que eu disse, estão muito ruins.
[Ternura vira sua caneca de suco, tomando todo o conteúdo. Ao terminar, limpa a boca com as costas da mão e salta do banco.]
TERNURA: Tarde demais, tio Diab. A primeira resposta é a que importa.
DIABLAIR (engolindo dois biscoitos de uma vez): Quem anda te ensinando essas coisas? O maldito do Black?
TERNURA: Sim! E ele me ensinou isso, também.
[Ternura começa a rodopiar lentamente e vários brilhos se formam ao redor dela. A menina está usando um vestido amarelo claro rendado, mas o mesmo começa a ser substituído por um vestido branco liso, com apenas duas flores cor de rosa bordadas nas mangas levemente bufantes. Seus sapatinhos pretos são substituídos por sapatilhas brancas. Ternura para de rodar e faz uma elegante reverência para o tio. Diablair está boquiaberto.]
TERNURA (acanhada): Foi a primeira vez que um bordado meu deu certo e ficou bonito. Acho que é o ideal para hoje. O que você acha?
DIABLAIR (sorrindo): Eu acho que todos só vão ter olhos para você.
PABLO (encostado no batente da porta): Se você ficar bonita desse jeito, ninguém vai olhar para a minha esposa.
[Pablo entra na cozinha e se senta no banco onde Ternura estava outrora. Ele começa comer os biscoitos.]
PABLO (pensativo): Mas talvez não seja uma má ideia… Afinal, todos vão se distrair com a Ternura, assim somente eu vou contemplar a minha esposa... A sós.
DIABLAIR (com os olhos cerrados por cima da caneca): Você definitivamente não presta.
TERNURA (chocada): Vocês vão fugir da própria festa?
[Pablo e Diablair riem alto.]
PABLO (debruçando-se sobre a bancada): Você vai nos dar cobertura?
TERNURA: Com certeza! Se me perguntarem onde vocês estão, direi que foram para o Inferno.
DIABLAIR (com malícia): Um inferno muito paradisíaco, diga-se de passagem.
PABLO (com os olhos cerrados, enquanto pega mais um biscoito): E depois sou eu que não presto?
TERNURA (caminhando até a porta com a postura ereta): Agora, se vocês puderem me dar licença, irei me retirar para ensaiar com os músicos.
[Ternura faz uma elegante reverência para os tios. Pablo bate palmas.]
PABLO: As aulas de etiqueta serviram como uma luva. Devo elogiá-la, senhorita Ternura.
[A menina sorri para Pablo.]
DIABLAIR: Cuidado para não se sujar.
TERNURA (com o nariz empinado): Damas não se sujam, tio Diab.
[Diablair ri. Ternura sai do cômodo.]
DIABLAIR (se levantando e indo até a porta): Espere, Ternura. Você não pode ir sem isso.
[Ternura volta e vê Diablair segurando a capa de seu violino.]
TERNURA (pegando o violino): Obrigada, tio!
[Ternura passa as alças da capa pelos braços e sai correndo com os braços abertos pelo corredor sombrio, como se fosse um pássaro. Diablair move os dedos na direção da sobrinha.]
DIABLAIR (sussurrando): Obliviscatur².
PABLO (encarando Diablair com severidade): Você contou à ela sobre o desígnio?
DIABLAIR (encarando a escuridão do corredor com o semblante vazio): Sim, mas acabei de apagar as memóras dela. Não quero que ela saiba disso com tanta antecedência.
PABLO (desviando o olhar de Diablair e encarando a janela): A Tristeza sabe...³
[Diablair se vira abruptamente para Pablo, completamente incrédulo com a revelação de seu amigo.]
PABLO: Ouso dizer que ela sabe muito mais do que nós mesmos acerca desse futuro.
DIABLAIR (com preocupação): Você acha que ela pode tentar mudar os acontecimentos? E se apagássemos as memórias dela e...
PABLO (interrompendo Diablair): Quando descobri que ela estava ciente do desígnio, tentei apagar as memórias dela e não deu certo. A mente dela é impenetrável. Afinal, Tristeza é a face onisciente da Deusa.
[Diablair encara o chão com preocupação. Pablo pega uma caneca da bancada e a enche com café. Por alguns minutos, os dois homens permanecem em silêncio na cozinha.]
PABLO: A Tristeza não vai tentar reverter a situação e muito menos falar sobre isso com alguém, então fique calmo. Você poderia tentar falar com ela e...
DIABLAIR (interrompendo Pablo): Se eu fizer isso, sinto que vou mudar de ideia.
[Diablair retorna ao banco em que estava sentado. Pablo enche a caneca do amigo de café.]
PABLO (sorrindo): Você é meio mole, tio Diab.
[Diablair apenas sorri e toma um gole de seu café. Logo em seguida, o líder infernal faz uma careta de nojo e cospe o líquido preto de procedência duvidosa.]
DIABLAIR (horrorizado com o gosto da bebida): Que diabos você colocou nesse café?
PABLO (com ironia): Ódio.
VOZ DE FUNDO: Diablair e Pablo permaneceram na cozinha por um tempo. Ambos conversaram sobre a vida, suas histórias e sobre o grande acontecimento daquela noite. Após um tempo de conversa, Diablair descobriu que Pablo havia "batizado" seu café com pimenta, limão e um pedaço de pão mofado, o que rendeu uma troca de socos entre os dois e alguns bancos destruídos na cozinha. Em um dos quartos da imensa residência, Imperatriz, Tortura e Fubuki ajudavam Tristeza com os preparativos de seu debute. Black e Damon também estavam hospedados na Mansão das Sombras e Ternura os encontrou quando estava a caminho do jardim. A menina os chamou para assistir seu ensaio e eles foram com ela, cada um segurando uma das mãos de Ternura, ora andando, ora levantando a garota no ar. Ao chegarem no jardim para o ensaio, Ternura surpreendeu a todos com suas habilidades no violino. Quando o ensaio terminou e os convidados começaram a chegar, Ternura se dirigiu ao lago do jardim, que ficava um pouco afastado e rodeado por uma cerca viva alta. Ternura não fazia ideia de que, naquela mesma noite, ela conheceria alguém que mudaria seu destino.
FIM DA PRIMEIRA CENA.