A delegacia estava calma o suficiente para deixar Charlotte entediada. Assim como os demais escalados, Viola e Benedict, ela estava insatisfeita por ter que trabalhar no Natal. Ela deduziu que a tortura dos dois colegas de trabalho era muito maior que a sua, afinal, além deles amarem a data, eles tinham acabado de sair para fazer uma ronda na cidade que, literalmente, encarnava o Natal até no espírito da pessoa mais desacreditada.
A jovem fechou os olhos e conseguiu visualizar com perfeição a árvore de natal que montara com a ajuda dos filhos. Mesmo que ela tenha durado somente uma foto e alguns segundos, pois Laila, a labradora de sete meses mais infame de todos os tempos, pulou e a derrubou, valeu a pena e seria um momento que levaria para sempre. Nada no mundo era mais bonito do que ver seus filhos com toquinhas de Papai Noel e com a luz dos piscas-piscas iluminando seus sorrisos.
Os pensamentos da jovem foram cortados pelo toque repentino do telefone. Antes de chegar até a mesa, imaginou se seria uma denúncia do senhor William falando sobre um possível roubo de decoração de Natal.
— Delegacia de Canova, boa no... — Charlotte foi interrompida abruptamente pela mulher do outro lado da linha.
— CHARLOTTE, ELE ESTÁ VINDO ME MATAR. VENHA AQUI, MAS PEÇA PARA BENEDICT NÃO VIR, ELE VAI MATÁ-LO TAMBÉM.
— ANNE! - Gritou Charlotte, reconhecendo a voz da amiga. — Onde você está? Quem vai matar vocês?
— O homem com a máscara de cera... — A ligação começou a cortar. — Presépio... Igreja...
Foi a última coisa que Charlote ouviu, antes da ligação ficar muda.
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O policial Benedict fazia sua ronda às duas da manhã. Contudo, naquele dia o jovem estava visivelmente chateado. Não queria trabalhar no Natal, mas uma gripe fez com que ele tivesse que se retirar por cinco dias do trabalho e, quando retornou, era um dia antes das festividades se iniciarem.
As luzes de Natal que enfeitavam as casas e passavam por seu rosto, enquanto andava pelas pacatas ruas de Canova com sua viatura, não ajudavam a esquecer que naquele momento, sua família estaria reunida e se divertindo. Sem ele.
— Ora, Bene, não fique tão triste. — Disse Viola, sua parceira de turno. — Também estou triste por não poder passar o Natal com meus avôs, mas sinta a magia dessa data ao nosso redor.
— Eu gostaria de sentir o gosto da ceia de Natal que minha esposa preparou. — Ele respondeu rispidamente, mas prosseguiu, dizendo: — Meus tios Melquior, Baltazar e Gaspar vieram de longe para passar Natal conosco e conhecer o pequeno Jeferson.
— Os nomes de seus tios são inspirados nos Reis Magos? — Perguntou Viola.
Antes que Benedict pudesse responder que sim, o rádio tocou e Viola rapidamente o atendeu, mas nem teve tempo de responder ao chamado.
— VOCÊS DEVEM IR AGORA PARA A IGREJA DA PRAÇA CENTRAL, AQUELA QUE TEM O PRESÉPIO. — Gritou Charlotte, com barulho de uma sirene ao fundo.
— Você está na outra viatura? — Questionou Benedict, fazendo uma curva que os levaria até a rua da igreja.
— Benedict, onde Anne está? — Charlotte ignorou completamente a pergunta do colega, demonstrando a urgência da situação.
— Em casa. Mas o que isso tem a v...
— Ela ligou desesperada para a Central, dizendo que tinha alguém que iria matá-la e que você não deveria ir, porque iria morrer também. A última coisa que ela falou antes da ligação cair, foi a palavra presépio e igreja.
Benedict empalideceu e parou a viatura no meio da rua. Descendo do carro e sacando sua arma, ele começou a ir em direção a igreja.
— ESPERE, BENE! — Pediu Viola, ainda no carro. Mas ele não parecia ouvi-la. Nem se o próprio Jesus tentasse pará-lo, ele se sentiria impedido.
— Viola, você precisa ir com ele. Vou verificar a casa e irei ao encontro de vocês.
No momento em que o rádio foi desligado, Viola ouviu dois tiros serem disparados dentro da igreja. Ela correu para o local com a arma em mãos, pronta para dar cobertura ao amigo, mas quando entrou no local não havia ninguém.
Antes que pudesse pensar em algo, a mulher foi golpeada na nuca e tudo o que viu antes de seus olhos se fecharem, foi um homem tirando uma máscara de cera e revelando um rosto que ela conhecia tão bem. Era de Peter, seu noivo.
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Viola acordou atordoada e com uma terrível dor na nuca. Ao longe, ela ouvia os gritos de uma voz familiar. Então ela se lembrou do que aconteceu, mas a imagem que se projetou em seus olhos foi ainda mais devastadora do que a lembrança.
Benedict estava com suas duas mãos presas por cabos de aço e logo abaixo dele, se encontrava uma enorme caldeira que tinha um líquido quente o suficiente para que Viola sentisse o calor, mesmo estando um pouco afastada. Mais ao lado, encontrava-se uma roldana que estava ligada aos cabos que prendiam Benedict. A pessoa ao lado da alavanca que controla o movimento dos cabos era Peter.
— Você acordou, querida. — Disse Peter calmamente e a moça percebeu que estava amarrada. — Podemos começar, então.
— PETER, O QUE ESTÁ FAZENDO? EU VOU ENCHER ESSA SUA MALDITA CARA DE TIROS, SEU PORRA! — Vociferou Benedict.
— Você não vai fazer isso, Bene. — Respondeu Peter, girando rapidamente a alavanca e fazendo o corpo do colega de Viola cair na caldeira fumegante. Ele esperou um momento e então começou a girar a alavanca, fazendo o corpo de Benedict, agora coberto de cera e sem vida, aparecer novamente. E com uma tranquilidade aterrorizante, Peter completou sua frase anterior, dizendo: — Pois os mortos não falam.
— O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO, PETER? — Gritou Viola desesperada, tentando soltar as mãos que estavam amarradas.
— Estou transformando a família de Benedict em um presépio de tamanho real. — Ele respondeu calmamente e começou a se aproximar de sua noiva. — Sua esposa Anne, que realizou a proeza de ligar para vocês, será Maria. Benedict será José e seus tios serão os Três Magos. O padre Nelson e o pastor Luís irão ser os Pastores. E, é claro, o filhinho de Benedict — Peter apontou para uma criança cheia de cera que estava no chão — Será o menino Jesus.
— VOCÊ É LOUCO! POR QUE ESTÁ FAZENDO ISSO? — A jovem percebeu, após ele se agachar ao seu lado, que Peter estava vestindo uma roupa de Papai Noel.
— Porque eles foram malcriados durante todo o ano e como punição vão colaborar com a decoração natalina da igreja, representando um momento importante para a data. É um bom modo de pagar pelas travessuras, não é? — Ele tocou com delicadeza o rosto de sua noiva e, sorrindo, disse: — Agora, vou usar seu sangue para terminar a decoração.
Com um movimento rápido, ele sacou uma arma e deu um tiro no rosto de Viola, antes dela ter a oportunidade de gritar.
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Uma hora mais tarde, após Charlotte ter atravessado a cidade para ir até a casa da família de Benedict e não encontrar nada, ela foi até a igreja para encontrar os colegas de trabalho. Porém, quando chegou não encontrou ninguém, então se dirigiu até o presépio que ficava do outro lado da igreja.
Ao chegar no local, havia algo de diferente. As peças em tamanho real, haviam sido substituídas por montes de cera, mas com formatos de corpos. Tinha muito sangue espalhado pelo local e, entrando dentro da decoração, no lugar que deveria estar o menino Jesus, havia um amontoado de cera menor que tinha um bilhete apoiado sobre a barriga. Charlotte pegou o pedaço de papel e leu:
A família de Benedict, vulgo os amontoados de cera que são os personagens do presépio;
A policial Viola, que colaborou com seu próprio sangue para completar essa decoração
E Peter, o enforcado,
Deseja a todos um Feliz Natal.
Charlotte deixou um grito de horror escapar dos lábios e, ao mover os olhos para a árvore mais próxima, ela viu um homem enforcado vestido de Papai Noel.