Confessionário
Sabrina Ternura
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 11/09/16 16:57
Editado: 14/01/23 00:35
Avaliação: 9.76
Tempo de Leitura: 5min a 7min
Apreciadores: 8
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Palavras: 956
Não recomendado para menores de dezoito anos
Capítulo Único Confessionário

São 14:45 da tarde e estou dentro deste confessionário que fede a mofo. Quase ninguém aparece aqui, afinal, o que uma igrejinha pequena no meio de um vilarejo praticamente despovoado tem a oferecer? Sou padre a tempo suficiente para saber que as pessoas só procuram a fé e Deus em datas importantes ou quando estão desesperadas. Ficar aqui dentro, ouvindo sobre os pecados infames de outras pessoas é uma lástima.

Deus sabe os sacrifícios que fiz para estar aqui hoje! Tanto tempo me dedicando e... a porta da igreja abre e fecha. Ouço passos. Alguém está caminhando em direção ao confessionário. Está escuro, mas vejo um vulto vindo em minha direção. Ele se senta. Ótimo, vou condenar alguém hoje! Respiro fundo e digo:

— Que a paz de Deus esteja convosco! Quem é você?

Uma voz feminina responde-me do outro lado:

— Eu tenho muitos nomes. Mas, por hora, quero ser apenas...Ninguém.

O tom em que essas palavras foram pronunciadas cortaram minha alma. É como se essa pobre alma estivesse sendo atormentada. Há uma presença ruim rondando este lugar, posso sentir. Seguro com firmeza meu terço e respondo:

— Certo, Ninguém. Pode se confessar, estou aqui para ajudar.

— Tem certeza? Não foi isso que ouvi antes de entrar aqui —Ela solta um riso malicioso — Você disse algo como: "Vou condenar alguém hoje". E realmente você está certo, alguém será condenado, mas não serei eu...porque já estou condenada.

— Como você sabe disso? Quem...O que é você?

Minhas mãos estão tremendo. Sinto-me indefeso. Deus, por favor, livre-me de todo mal. Proteja-me, Senhor! Uma voz distorcida e um pouco mais grossa pronuncia num sussurro atrás de mim:

— Seu deus não vai te salvar!

Sinto minha espinha gelar. O sangue não corre mais em minhas veias. O ar não enche mais meus pulmões. As palavras só saem em pensamentos, pois meus lábios estão selados pelo medo.

— Está com medo, Carlos? Onde está seu deus?

A voz, agora totalmente masculina, se parece com a minha voz. Viro-me um pouco para trás e vejo de realce algo assustador. Em pé, logo atrás de mim, estava um ser de aparência idêntica a minha. A única diferença entre nós eram os olhos. Os meus, azuis como o céu. Os dele, vermelhos como sangue.

A criatura sorri maliciosamente para mim e diz:

— Chegou teu dia, Carlos! Você tem medo do Diabo? Pois saiba, ele veio te buscar. Você pagará por cada pecado, seu maldito. Aquele que você chama de deus conhece teus erros, mas nós estávamos ao seu lado quando tu realizou cada ato.

Horrorizado, somente consigo perguntar:

— Q-quem é você?

— Nos chamam de Legião, pois somos muitos —Ele faz uma pausa e coloca a mão em meu rosto — Somos a junção de todos os teus pecados.

Está escuro. Onde estou? Um turbilhão de vozes agoniadas está chamando por mim. Senhor, perdoe-me, não me mande para o inferno! CONFESSE CARLOS! Calem-se, pela misericórdia de Deus! CONFESSE SEUS PECADOS, CARLOS! Deus virá me proteger. CONFESSE E DEIXAREMOS VOCÊ IR...

Abro os olhos. Estou diante do altar, ajoelhado e completamente nu. Minhas mãos e pés estão amarrados. Sinto um enorme peso em minhas costas. Sinto como se estivesse carregando minha cruz! Pelo espelho no altar, vejo um ser escuro, montado em minhas costas. Hoje, eu juro perante Deus, que vi a face do Diabo.

—Tudo o que você precisa fazer é confessar, Carlos.

— E-eu ... eu ... eu, Carlos, confesso que roubei minha mãe quando era mais novo. Eu era uma criança gulosa e curiosa, só queria comer alguns doces e experimentar um pouco de cerveja. Me acostumei a roubar e quando virei padre, furtei o dinheiro da oferta dos cultos de domingo para...

— Diga o motivo pelo qual você roubou, Carlos!

— Não consigo...Minhas costas...Doem...

— Se você consegue ter coragem para pecar, deve ter coragem para assumir seus pecados!

Engulo seco e falo sem pensar:

— Às vezes, eu pegava o dinheiro para ir ao bordel do vilarejo mais próximo. Às vezes, eu usava o dinheiro para comprar coisas caras só para fazer inveja em outras pessoas. Às vezes, eu comprava doces e brinquedos para...atrair crianças e estuprá-las.

Começo a chorar. O peso em minhas costas some e as vozes em minha cabeçam se calam. Resta-me somente o silêncio. Sinto uma pequena mão acariciando minha cabeça. Sinto paz. Vejo pelo espelho do altar as perninhas de uma garotinha vestida de branco. É um anjo! Ela fica de frente a mim e olha nos meus olhos. Vejo lágrimas de sangue escorrendo em sua face e em seu olhar, pude ver o próprio inferno. Ela quebra o silêncio e diz com uma voz grossa:

— Pobrezinho, você está condenado desde o ventre impuro de sua mãe. Não importa o quão arrependido você esteja, o inferno te aguarda. Já não há salvação para tua alma.

E num único golpe, ela corta minha cabeça com uma faca.

_________________________________

— Central? Aqui é o tenente Wilson. Estamos na pequena igreja do vilarejo, encontramos o corpo do padre Carlos e...

— Tenente? Ainda está na linha?

Wilson estava paralisando diante da pior cena de assassinato que viu em 20 anos de carreira policial. No chão, em baixo do altar, encontrava-se o corpo de Carlos, pregado ao piso em forma de uma cruz invertida. Aproximando-se, Wilson viu que na barriga do padre, havia um versículo marcado: João 10:10.

— Tenente Wilson? — Chamou o colega de patrulha, Fred. — Venha ver isto!

Dentro do confessionário, havia uma bíblia destroçada e um odor forte de carne podre. Do lado de fora, em cima do banco daquele que vai confessar, estava a cabeça do padre Carlos. Dentro de sua boca havia um bilhete.

— O que diz aí, senhor?

Hesitando um pouco antes de responder, Wilson sussurrou:

— Está escrito com sangue: "O Diabo me matou. O Diabo veio me buscar"

❖❖❖
Notas de Rodapé

Salut, torturados! Fizeram uma boa leitura? Espero que sim!

Bom, este é o último texto do Torneio Mórbido *voz de decepção da galera* e espero que vocês tenham gostado das obras feitas por mim até aqui. Agradeço a todos que acompanharam essa jornada criada pela Sabrina Tortura.

Parabenizo a Pão e a Flávia pela iniciativa de desenvolverem o Torneio. Foi uma honra poder participar. Me diverti muito, quebrei minha cabeça para escrever coisas mórbidas, mas acima de tudo, desenvolvi um lado meu que eu não sabia que existia, rs.

Foi um grande desafio para mim, pois é de conhecimento geral o meu grande problema em escrever contos (não sabiam disso? SURPRESA!). A única obra do gênero lírico foi Camicase, mas, na verdade, este poema um dia já foi um conto. Decidi sair da minha zona de conforto e me arriscar, pois queria superar minhas próprias limitações. Espero ter feito isso de uma forma boa e agradável, apesar de ter cometido vários deslizes.

Sabrina Tortura continuará por aqui, sim, então aguardem por mais obras dela u-u

Obrigada por ler até aqui! Beijos trevosos para vocês ♡

Apreciadores (8)
Comentários (4)
Comentário Favorito
Postado 19/09/16 21:20

MANA! EU VOU FAZER UMA DEUSA COM NOME DE SABRINA EM ALGUMA HISTÓRIA, POR FAVOR, ISSO FICOU MAGNÍFICO!

Como você é capaz de ser tão multitalentada em todos os tipos de texto? Eu simplesmente adorei como esse texto foi feito. Eu estou tão feliz de ter uma mana tão talentosa <3

E expondo assim o pior que muitas pessoas tem, e que elas vão pagar? Sabe, me lembrei um pouco de Jigoku Shoujo, caso não tenha visto, dê uma olhada, é bem interessante e tudo mais, e combina com teu texto. (Foi inspiração? haahha)

Será que o padre mentiu e por isso não foi liberto, ou de fato, as pessoas que cometeram crimes horríveis não merecem ser libertas? Bem, isso é algo para outra história. Algo bem interessante de se pensar, hein.

Parabéns, maninha <3

Postado 24/09/16 18:03

Mana linda sempre me deixando sem palavras <3

Então, eu só me inspirei num grande nada para escrever isso uehueh acho que é um desejo antigo escrever sobre essas coisas, espero que tanto a ideia quanto a morbidez tenham sido passadas com sucesso! Valeu pela indicação, entrará para a lista u-u

Acho que todos nós guardamos nossos pecados e acreditamos que ninguém conseguirá desvendá-los. No caso do padre, foi mais ou menos isso. Ele acreditava que ninguém conseguiria descobrir sobre seus segredos mais ocultos, porém, no fim, aquilo que ele mais tinha medo acabou trazendo à tona tudo.

Obrigada, minha estrelinha <333

Postado 12/09/16 13:06

Bah, gostei e muito!

Achei muito bacana como abordaste o tema do torneio. Falar de igreja, de Deus, do Diabo, do bem, do mal sempre me encata e ler algo assim sempre me deixa muito feliz.

A qualidade do texto tá impecável, principalmente o que se concerne ao português, tá muito bom.

E que triste fim do Carlos. Puta merda, que padre bem sacana, mas que não merecia morrer de jeito tão violento. Embora não vou contrariar o diabo, hehehe.

Parabéns pelo texto e por ter chegado até a final desse torneio foda!

Postado 12/09/16 20:05

Muito obrigada, Chico!

Fico feliz que tenha gostado c:

Postado 12/09/16 15:27

Estou completamente apaixonada por esse teeeextoo <3

Sabrina Tortura <3

Por favor, não abandone as torturas!!! Mesmo com o fim do torneio... não pare de torturar!!!!!!!!!!!

Eu te imploro UHAUSHUAHUSHAUHSUAHHSUHAUSHUA

Adorei muito, cada um detalhes! E esse padre... pqp... pra dizer a verdade adorei o fim dele! Bem merecido... poxa, roubar da Igreja pra comprar umas coisinhas materiais tudo bem, ainda vá lá! Mas roubar para comprar coisas para atrair criancinhas inocentes para serem estupradas... merece morrer da pior forma possível, pelas mãos do verdadeira Diabo!

Enfim enfim... só minha opiniãozinha rs

Parabéns <3

Um abraço torturante!

Meiling!

Postado 12/09/16 20:06

Não irei abandonar as torturas não, pode deixar u-u

Digo, estou desenvolvendo coisas diferentes então acho que é uma nova oportunidade de inovar e superar alguns obstáculos.

Obrigada pelo comentário, Meiling! Fico contente que tenha gostado c:

Postado 08/09/17 15:39

Que obra impressionante, moça. Meus mais sinceros parabéns.

Sua obra alucinou minha imaginação, AHHAHH. Os detalhes que colocas-te na obra alegraram minha mente e simplesmente amei esse trecho: "Vejo pelo espelho do altar as perninhas de uma garotinha vestida de branco. É um anjo! Ela fica de frente a mim e olha nos meus olhos. Vejo lágrimas de sangue escorrendo em sua face e em seu olhar, pude ver o próprio inferno".

Deu uma imensa vontade de rir do miserável padre.

Muito obrigado por compartilhar sua obra conosco.

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<3

Postado 09/09/17 14:05

Agradeço muito, Srta. Shizu! Me é de extrema alegria saber que apreciou (e se divertiu, assim como eu, rs) com a obra acima.

Muito obrigada c:

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