28 de Março de 2017. Pouco antes de duas horas da manhã. Após ouvirem o som de um tiro de arma de fogo, todos os acadêmicos deixaram seus quartos e correram em direção ao Vestiário Masculino. Ava foi a primeira a chegar, seguida de Nicolle, Sabriny, Meiling, Rogério, Virgilius e, por fim, Petra.
— É o Philip! — exclamou Ava ao ver o corpo, para o desespero de Sabriny que seguia logo atrás.
— Não, não — dizia a garota, se aproximando — Não! — Sabriny se agachou ao lado do cadáver do rapaz, sacudindo-o. — Philip! Philip!!
Enquanto os demais acadêmicos se aproximavam, amontoados, tentando entender o que acontecera, Sabriny chorava desesperada segurando o corpo do rapaz.
— E agora, o que vamos fazer? — perguntou Rogério.
— Esses horrores já estão quase virando rotina! — exclamou Meiling. — Vamos embora daqui antes que aconteça de novo!
— Mas… — suspirou Virgilius. — Como podemos sair daqui todos juntos confiando uns nos outros, se coisas assim continuam a acontecer? Como saber em quem podemos confiar?
— Realmente… — disse Nicolle. — A essa altura, acho que não confio em nenhum de vocês.
— Por enquanto, ninguém mais sai daqui — acrescentou Petra, fechando a porta do Vestiário atrás de si.
— Como assim!? — exclamou Ava.
— Ela está certa — disse Rogério. — Não podemos deixar esse lugar juntos sem saber quem é o assassino. Se não, ele pode nos pegar despercebidos e ninguém vai chegar em casa.
— Enquanto ainda temos vantagem numérica — continuou Nicolle —, acho melhor tentarmos descobrir quem fez isso com o Philip agora mesmo, e nos livrarmos dessa pessoa antes de irmos embora.
Sabriny continuava a chorar ao lado de seu amado, segurando a aliança presa ao cordão em seu pescoço, enquanto os demais discutiam. Um trovão foi ouvido por todos, e uma luz relâmpago percorreu os corredores escuros da Academia, cada vez mais deserta.
— E como você sabe que temos vantagem numérica? — questionou Ava, encarando Nicolle. — A essa altura, eu não faço ideia de em quem posso confiar. Vocês todos podem estar querendo nos matar.
— Se esse fosse o caso — explicou Meiling — nós não estaríamos mais vivos. Nicolle tem razão. Ainda acredito que a maioria são pessoas de bem.
— Aquele que atirou no Philip pode apenas ser um de nós seis — disse Virgilius. — Se trabalharmos juntos, acho que podemos descobrir.
— Seis, não — corrigiu Petra, apontando para a viúva aos prantos no chão — Sete.
— O que!? — questionou Meiling. — Você está sugerindo que ela mataria o próprio noivo!?
— Cá entre nós — continuou Rogério —, o comportamento dela tem sido meio estranho ultimamente. Eu acho possível.
— Realmente, aquela situação com a Monique foi preocupante — concordou Nicolle.
— Preocupante é pouco — disse Virgilius. — Foi assustadora! Algo de estranho está acontecendo com ela, tanto que a Haruna queria trancá-la no sótão…
— E vocês viram como acabou a Imperatriz depois de fazer aquilo, não é mesmo? — disse Petra.
— Se quiserem continuar a fazer acusações — disse Sabriny, após se acalmar e limpar as lágrimas nas mangas —, melhor fazerem olhando na minha cara — se levantou.
— Eu acho muito suspeito — continuou Petra, agora encarando os olhos da viúva — que isso tenha acontecido dessa forma, pouco depois do que você fez com a Monique.
— A Monique era uma ameaça para todos nós — disse Sabriny, com um olhar que misturava tristeza e raiva. — Você sabe muito bem disso.
— Nós ainda não tínhamos certeza das suas intenções, quando aquilo aconteceu — disse Rogério.
— Se vocês querem jogar esse jogo — continuou a jovem —, vamos levar para frente. Eu estou de acordo. Até descobrirmos quem matou o Philip, e eu acabar com ele ou ela com minhas próprias mãos, ninguém sai daqui.
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Quatro horas da manhã. Após um longo período de investigação e discussões, os acadêmicos chegaram a uma conclusão. Petra se via com os pés e mãos amarrados por um arame de cobre, sentada dentro de uma banheiro do Vestiário, com água cobrindo seu corpo até a metade.
— Vocês estão cometendo um erro! — exclamou a garota imobilizada, enquanto Meiling ligava um de seus secadores de cabelo na tomada do banheiro.
— É tarde demais para você, Petra — disse Rogério.
— Você não deveria ter acusado os demais dessa forma — acrescentou Ava.
— Não! Não! Eu juro que não matei o Philip! Por favor! Se vocês investigarem mais, perceberão isso!
— Chega de papo — disse Virgilius, despejando um copo de sal na água da banheira. — O que encontramos já é mais que suficiente para te incriminar.
— Quais são suas últimas palavras? — perguntou Sabriny, se aproximando com um olhar frio e o secador de cabelo ligado em mãos.
— Eu… eu… — Petra gaguejou algumas vezes, e então se acalmou e olhou a garota nos olhos. — Esses prazeres violentos… têm finais violen-
Antes de terminar a frase, a viúva jogou o eletrodoméstico na água, causando um circuito elétrico que percorreu o corpo de Petra, levando-a a angustiar por alguns segundos enquanto seu corpo tremia. A moça de cabelo castanho-avermelhado logo teve uma parada cardíaca e se afundou na banheira, sem vida.
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Quatro e quinze da manhã. Rogério, Ava, Sabriny, Virgilius, Nicolle e Meiling finalmente deixam o Vestiário Masculino, após a execução de Petra. Os seis decidiram ir de quarto em quarto em conjunto, para evitarem situações em que fossem deixados vulneráveis novamente.
— Alguém pegou a minha mala! — exclamou Ava, ao passar pelo Quarto 52 e reparar que suas coisas não estavam mais por lá.
— Quer dizer que alguém passou por aqui enquanto estávamos no Vestiário — disse Rogério —, tenho a impressão de que não vamos conseguir sair desse lugar tão facilmente.
— Com certeza não — acrescentou Nicolle, enquanto todos agora dirigiam-se ao quarto de Sabriny —, mas se trabalharmos juntos, temos uma chance.
— Tanto a minha mala quanto a do Philip não estão aqui também — disse a moça. — É, acho melhor corrermos para fora daqui de uma vez.
Sem passar pelos demais quartos, os acadêmicos foram direto descendo as escadas, em direção à porta principal da Academia, em frente ao Hall de Entrada. Como era de se esperar a essa altura, a mesma foi encontrada trancada.
— Alguém ainda está com a chave mestra da Monique? — perguntou Virgilius.
— Acredito que estava com você, não é Meiling? — disse Rogério.
— Isso mesmo — a moça começou a procurar na bolsa que carregava. — Estranho… eu pensei tê-la deixado por aqui.
— É provável que a mesma pessoa que levou nossas malas enquanto estávamos no vestiário tenha encontrado a chave também — apontou Virgilius.
— Acho melhor tentarmos sair pelas portas dos fundos — disse Ava. — Afinal, nem sabemos se aquela chave funcionaria aqui de qualquer forma.
— Tudo bem, é provavelmente mais seguro dessa forma — concordou Nicolle, já caminhando em direção ao Pátio.
Enquanto os estudantes organizavam suas ideias, a diretora Júlia apareceu, seguida por Valdemir e Shizu, saindo da sala de Direção. Os três instrutores vestiam o mesmo traje: uma túnica preta que alcançava até os seus pés, com símbolos desconhecidos grafados em vermelho.
— O que está acontecendo por aqui? — perguntou ela. — Onde vocês estão indo?
— Estamos indo embora — respondeu Sabriny. — Já enfrentamos coisas demais nesse local amaldiçoado, e não vamos passar mais nem uma hora por aqui.
— Não acho que seja uma boa ideia — disse Shizu, se aproximando. — Afinal, não sei se notaram, mas começou a chover novamente. Uma nova tempestade está a caminho. Do jeito que está, vocês não chegarão muito lon-...
— Não importa — interrompeu Rogério. — Tudo indica que temos mais chances de sobreviver um furacão lá fora do que passar mais uma noite aqui dentro.
— Pessoal… — sussurrou Ava, com a mão na maçaneta da porta dos fundos. — Essa porta está trancada também.
— Como a Shizu disse… — acrescentou Valdemir, chegando perto de Ava e colocando a mão contra a porta que levava ao Pátio da Academia —, não é uma boa hora para vocês saírem.
— Vocês chegaram até aqui… — começou Júlia — …mais uma noite não vai matar ninguém.
— Esta situação está mais do que perturbadora — sussurrou Nicolle.
Shizu logo revelou estar segurando uma pequena lança, medindo cerca de um metro, por debaixo de sua túnica. Ela apontou a arma para Rogério enquanto caminhava em direção ao mesmo. Enquanto isso, Valdemir imobilizou Ava ao lado da porta, segurando um pano contra o seu nariz que logo fez a jovem começar a perder a consciência. Júlia se aproximava das demais garotas.
— Briny… — disse Meiling, olhando para a colega — hoje mais cedo você conseguiu nos ajudar com a situação da Monique. Se você puder fazer algo assim de novo, agora é a hora.
— Ela não vai conseguir fazer nada… — disse Júlia. — A divindade Ternura sempre foi muito fraca comparada a quem temos do nosso lado. Fillfidh dia an bháis!
— Fillfidh dia an bháis! — repetiu Shizu, segurando a lança próxima ao pescoço de Rogério, que se manteve imobilizado.
— Fillfidh dia an bháis… — sussurrou Valdemir, deixando Ava cair no chão desmaiada e se aproximando dos demais.
— É agora ou nunca, Briny — disse Virgilius. — Se você não conseguir pará-los, nós vamos todos morrer.
A garota fechou os olhos e sentiu um fluxo de energia percorrer o seu corpo. Um trovão foi novamente ouvido nos arredores da Academia e um relâmpago iluminou o primeiro andar inteiro da instituição. Vidros das janelas foram estilhaçados em um instante, e um ruído irreconhecível torturava os tímpanos de quase todos os presentes. Com exceção de Júlia e Sabriny, cujo corpo flutuava em meio à luz branca que cegava aos demais, todos levaram suas mãos aos ouvidos, e gritaram em agonia pouco antes de perderem a consciência.
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Algum momento no futuro. Sem lembrar de nada que acontecera após a possível invocação divina de Sabriny, Virgilius acordou, amarrado e amordaçado, dentro de um cômodo da Academia nunca antes visto pelo rapaz.
A Sala Secreta se encontrava no subsolo da instituição e era apenas acessível através de túneis subterrâneos que conectavam certas áreas da Academia. Livros similares aos encontrados na Biblioteca Secreta podiam ser avistados espalhados no chão, com algumas folhas removidas. Serrotes e foices estavam pendurados na parede, com imagens demoníacas enquadradas para decoração.
Para o susto e surpresa do rapaz, um corpo decepado poderia ser observado em um dos cantos da sala, cadáver que o jovem logo identificou como sendo da governanta Monique. Ao lado da defunta, era possível ver o que parecia ter o formato de outro corpo, coberto por uma lona escura.
Tentando descobrir se o segundo cadáver se tratava de um de seus colegas, e sem saber o que mais fazer, o jovem se arrastou pela Sala Secreta até conseguir se aproximar. Virgilius fez o possível para retirar a cobertura do corpo desconhecido, com seu movimento extremamente limitado devido às cordas que imobilizavam seus pulsos e pernas.
Embaixo da lona, o rapaz encontrou uma moça pálida, magra, medindo cerca de um metro e setenta. Uma lança atravessava seu corpo inteiro, entrando próxima à esquerda de sua cintura e saindo por entre duas costelas superiores do lado direito. Seus olhos castanhos estavam abertos, mas a temperatura do corpo estava fria demais para que ainda estivesse viva.
O cabelo liso se espalhava pelo chão, flutuando sobre uma poça de sangue extremamente escuro.
— M… M… M-meiling! — exclamou o rapaz com a boca amordaçada, ao reconhecer o corpo.