20 de Março de 2017. Dez horas da noite. Valdemir vagarosamente abriu a porta do Quarto 32, encontrando sua moradora lendo um livro por baixo de suas cobertas.
— Tsc tsc tsc… — expressou Monique, o observando. — Não é muito educado abrir a porta do quarto de alguém sem bater primeiro.
— Não é como se eu não tivesse sido convidado — disse o professor sem vergonha, fechando a porta atrás de si. — Vais me contar a que veio? O propósito deste convite inusitado?
— Você é bem o que pensei que era — respondeu, balançando a cabeça. — O tipo de pessoa que a gente oferece a mão e já quer o braço. Também era assim o seu relacionamento com a Márcia?
Valdemir permaneceu quieto por alguns segundos, cruzou os braços, suspirou.
— Quem te contou?
— Não importa — ela continuou. — O que importa é que acho que você sabe mais sobre o que aconteceu com ela, e não falou nada.
— É porque eu sei meu lugar — ele respondeu. — E você deveria saber o seu. Não é meu papel questionar o que vem de cima. A Márcia sabia disso, mas se metia demais onde não devia. Uma hora ou outra, ia dar merda.
— E vocês ainda estavam juntos quando aconteceu?
— Não — respondeu Valdemir, se aproximando e sentando na cama, ao lado da governanta. — Faz tempo já. Fazia tempo desde que não nos envolvíamos mais.
— Mas você ainda a amava? — perguntou Monique, ao notar uma pequena lágrima escorrendo dos olhos do professor desajeitado.
— Sim — ele sussurrou, com um ar triste. — Mas não era nosso destino ficarmos juntos.
— Entendo.
— E você? — Valdemir perguntou. — Afinal, você vai me contar o que veio fazer aqui? Desde o primeiro dia, você pareceu muito confortável para alguém que estava pisando na Academia pela primeira vez.
Monique finalmente colocou o livro de lado, confortavelmente levantou seu tronco e sentou-se na cama, aproximando-se de Valdemir, e falou:
— Era o meu destino — disse ela, enquanto o professor levantou uma sobrancelha. — Era o meu destino voltar. Eu tinha uma missão a cumprir.
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27 de Março de 2017. Meio dia. Monique chegou na Biblioteca com uma pilha de cinco livros em mãos, seguida por seus dois gatos, e caminhou ao encontro da bibliotecária.
— Como vai a senhora? — perguntou a governanta.
— Vou bem — disse a idosa, ajeitando os óculos. — Estas são as devoluções da última semana?
— Isso mesmo — respondeu. — E preciso pedir mais um favor.
— O que precisas, Mônia?
— Aquilo que conversamos um tempo atrás. Chegou a hora.
— Tens certeza? — perguntou a mais velha, coçando a cabeça. — Você ainda está muito jovem.
— O dia exato não foi definido ainda — ela respondeu, agachando-se e fazendo carinho em um de seus gatos. — Mas minha intuição diz que o momento está chegando, e acho melhor já deixá-los com você, a partir de hoje.
— Será um prazer cuidar dos bichanos — respondeu a bibliotecária, ao chamar um dos gatos para perto de si. — Você sabe como gosto deles, não é?
— Sei sim — disse a governanta, com um olhar um pouco triste. — Eu vou sentir falta deles, mas não haveria ninguém melhor que você para cuidar deles daqui para frente.
— Filha… — sussurrou a bibliotecária — quero que saiba que eu fiquei muito feliz de você ter voltado, após todos esses anos.
— Eu entendo, mãe. Sei que tivemos nossas diferenças no passado, mas sabe como falam… “O bom filho à casa torna”.
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28 de Março de 2017. Uma hora da manhã. Sabriny se encontrava deitada no chão ao lado da porta do Quarto Trancado, aparentemente desmaiada. Após o barulho de uma chave destrancando a porta, a mesma se abre, e uma fresta de luz se vê pela mesma.
— Ph… Philip…? — sussurra a garota, fraca, ao perceber que alguém abria a porta. — É você?
Do outro lado da entrada, não era o noivo da garota que estava lá para resgatá-la, e sim a governanta da Academia, Monique.
— Venha comigo, Sabriny — respondeu a mesma. — Eu vou leva-la até ele.
— Como… Como assim…? — perguntou a garota, com poucas energias, enquanto se levantava do chão, com ajuda da mulher mais velha. — Ele me deixou aqui? Sozinha? E onde está a Haruna? O que está acontecendo?
— Você logo vai entender.
Monique prosseguiu a guiar a estudante para fora do sótão, seguindo as escadas de mão até o Quartinho, em seguida descendo até o térreo, e então ao Subsolo. Chegando no mesmo, Sabriny se surpeendeu ao observar a prisão da Academia.
— Briny! — gritou Philip, por trás das grades.
— Qual o significado disso!? — exclamou a garota, notando que diversos de seus colegas estavam presos na pequena área, incluindo Petra, Nicolle, Meiling, Virgilius, Ava e Rogério, além de seu noivo. — O que está acontecendo aqui!? E onde estão a Haruna e o Lionel!?
— Aconteceu outro assassinato — respondeu Ava.
— Na verdade, possivelmente dois — concluiu Rogério —, e pareceu envolver algum tipo de bruxaria.
— Desculpa ter te deixado sozinha, meu amor — disse Philip —, quando eu ouvi um grito do andar de baixo, desci para ver o que tinha acontecido, e…
— A Monique e o Valdemir nos trouxeram para cá e nos trancaram! — gritou Petra. — Eles estão armando alguma coisa.
— Não é nada disso — respondeu a governanta, se aproximando segurando Sabriny pelo braço. — Vocês são crianças e não entendem. Existem propósitos maiores ocorrendo aqui.
— Isso é papo furado — interviu Virgilius.
— Tá com cara de que querem nos matar todos! — exclamou Meiling.
— Assim como o que fizeram com a Haruna… — suspirou Nicolle.
— Pera aí… — questionou Sabriny — A Haruna está morta!?
— Quem mais você achou que era…? — falou Petra.
— Ela foi assassinada e não poderei nem entender o porquê de eu ter sida trancada naquele quarto!? — Briny sacudiu o corpo em lágrimas, deixando o controle de Monique. — Quem ousaria fazer uma coisa dessas!?
— Briny — disse Philip. — Tente manter-se calma. O que a Haruna fez pode ter sido estranho, e nós não entendemos muito bem ainda, mas ela estava fazendo para o seu bem. O seu e o nosso.
— Você não leu o livro? — perguntou Virgilius.
— E o que aquele livro tinha a ver comigo!? — exclamou a moça, em prantos, enquanto Monique se afastava da mesma. — Eu não sei o que vocês estão dizendo! — o tom aumentava e aumentava, e uma força negativa começou a ser sentida em torno da moça, que ficava cada vez mais pálida.
— Briny, melhor você tentar se acalmar — disse o noivo.
— Como eu vou me acalmar!? Como me acalmar numa situação assim!? Pessoas estão morrendo! Eu passei a noite trancada num quarto escuro e assustador e meu próprio noivo não me tirou de lá! E a única pessoa que sabia o que estava acontecendo não está mais aqui para explicar!! E ela era minha amiga!!
Temendo que a situação ficasse fora de controle e na intenção de trancar Sabriny junta aos demais, Monique se aproximou da garota com um par de algemas que a mesma retirou de seu bolso.
No entanto, assim que Briny foi tocada pela mais velha, seus olhos se esbranquiçaram e um raio de luz pode ser visto no subsolo da Academia, cegando por alguns segundos todos os presentes. Uma força magnética foi sentida empurrando todos os presos contra a parede da apertada cadeia da Academia, logo caindo uns sobre os outros.
Quando a visão de todos começou a voltar, um a um, incluindo Sabriny, os acadêmicos passaram a se levantar e tentar entender o que havia acontecido. Monique, que estava mais próxima de Sabriny que os demais, havia sido empurrada contra uma das paredes do subsolo com tanta força que o baque em sua cabeça deixou-a caída no chão, sangrando.
— O que foi isso? — perguntou Rogério, segurando a mão de Nicolle para ajudá-la a levantar, enquanto a aluna que causara o estrondo se encontrava paralisada com os olhos ainda brancos. — Estão todos bem?
— Estamos sim — respondeu Petra, logo observando Monique no chão, do lado de fora das grades. — Mas nem todos tiveram tanta sorte.
— Vamos tentar ajudá-la? — questionou Ava.
— Primeiro… — sussurrou Philip, confuso com o que estava acontecendo. — Primeiro precisamos achar um jeito de sairmos daqui.
— A Monique parece ter deixado cair sua chave mestra ao desmaiar — apontou Nicolle. — Meiling, você que tem braços finos, consegue pegar?
— Consigo sim — respondeu a mesma, agachando-se, estendo o braço para fora da grade e buscando a chave que caíra no chão próximo ao corpo inconsciente da governanta.
Sabriny continuou paralisada, imóvel, em frente a porta da cadeia, enquanto os acadêmicos organizaram-se, destrancam a porta e começaram a deixar a cela, um a um.
— Briny… Briny! — exclamou Philip, sacudindo a noiva, enquanto os demais checavam o estado de Monique.
— Ph… Philip… — sussurrou a moça, enquanto cor voltava aos seus olhos e a mesma recuperava a consciência. — O que aconteceu? Onde estou?
— Não importa — ele respondeu. — O que importa é que você está bem, você nos salvou, e agora nós vamos nos mandar desse antro maldito.
— Mas… — começou a garota, ao que o noivo a arrastou para fora do cômodo.
— Sem pulso — falou Petra, após checar Monique, deitada no chão.
— Melhor assim — disse Virgilius. — Depois de ter nos trancado naquela cela, não queria saber o que ela faria depois. Quero é me mandar daqui.
— Queremos todos — disse Meiling. — Essa noite parece que não acaba.
— Vamos embora daqui de uma vez — disse Rogério.
Após a explosão inesperada de Sabriny, a governanta da Academia, Monique Schimmer Martins, foi deixada no chão do subsolo da instituição. Não era sabido entre os acadêmicos o porquê da mulher misteriosa tê-los trancado na prisão pelas últimas horas, e ninguém além da mesma sabia se o seu destino fora cumprido ou não.
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28 de Março de 2017. Uma hora e meia da manhã. Os acadêmicos ainda vivos, Sabriny, Philip, Meiling, Nicolle, Rogério, Petra, e Ava estavam distribuídos em seus respectivos quartos, organizando seus pertences e preparando-se para deixarem a Academia. Como era o meio da noite e sinal de celular não era algo facilmente encontrado na área da instituição, todos haviam decidido caminhar juntos durante a noite até a mais próxima estação de ônibus.
— Você não vai mesmo me dizer o que aconteceu? — perguntou Sabriny. — Eu estou confusa aqui, Philip, preciso que me diga o que você sabe.
— Agora não é a hora — respondeu o mesmo, juntando roupas espalhadas pelo quarto. — A Haruna não me deu muitos detalhes, mas vamos conversar mais a respeito a caminho da estação.
— Mas o que foi aquilo que aconteceu com a Monique? Fui eu mesma que fiz aquilo?
— Sim… e não… pelo que entendi. Existem forças sobrenaturais afetando a todos nós neste lugar.
— E como a Haruna sabia disso, afinal? Como ela conseguiu acesso àquela sala?
— Aparentemente… — continuous o rapaz, ao começar a abrir gavetas a procura de algo que não encontrava. — Haruna sabia mais do que ela nos dizia. E quando encontramos esses livros na Biblioteca Secreta, tudo fez sentido para ela. Você viu a minha camiseta vermelha? A minha favorita?
— Será que você não a deixou no vestiário? — perguntou a moça. — Quer que eu vá buscar?
— Não precisa não — respondeu o rapaz. — Eu já terminei de organizar as minhas coisas. Termina de organizar as suas enquanto eu busco.
— Tudo bem — disse a moça, segurando o rapaz pela manga da camisa antes do mesmo deixar o quarto. — Philip… você promete que… independente do que está acontecendo comigo nesse momento, continuaremos juntos?
— Mas é claro, boba — disse o rapaz, dando um selinho em seus lábios, com um sorriso. — O que quer que esteja acontecendo, nós vamos superar juntos. Como sempre fazemos. É nosso destino.
Sabriny abriu um pequeno sorriso com o canto da boca pela primeira vez na noite, e voltou a terminar de juntar seus apetrechos, enquanto o rapaz foi até o Vestiário Masculino buscar a camiseta perdida.
Chegando no local, o rapaz acendeu as luzes e logo avistou sua camiseta favorita vermelha nos fundos do vestiário, ao lado de um dos chuveiros.
— Estranho eu ter esquecido isso por aqui — disse o rapaz em voz alta, ao virar-se no intuito de retornar à porta e perceber que alguém havia o seguido até o local. — Ah! Você me deu um susto! — exclamou o rapaz. — O que está fazendo aqui? E o que é isso que você está segu…
Antes do rapaz terminar a frase, um som de tiro foi ouvido por toda a Academia. Uma bala de fogo perfurou diretamente o coração de Philip, levando-o a cair no chão de joelhos, com uma expressão pasma. Após a primeira queda, o jovem teve uma segunda queda, mergulhando seu corpo no piso úmido do vestiário. Algumas poucas tossidas com sangue foram soltadas pelo rapaz deitado no chão, pouco antes de seus tristes olhos se fecharem para sempre.