Notas de luto
6 de Janeiro
Tipo: Conto ou Crônica
Postado: 21/03/24 08:46
Editado: 21/03/24 10:55
Avaliação: Não avaliado
Tempo de Leitura: 2min
Apreciadores: 0
Comentários: 0
Total de Visualizações: 113
Usuários que Visualizaram: 2
Palavras: 349
Não recomendado para menores de dezesseis anos
Capítulo Único Notas de luto

O luto fez minha raiva voltar,

quente,

fervendo,

destruindo tudo ao meu redor,

soltando gritos de rancor

que me fazem tremer e ter dores de cabeça profanas,

chutando, socando, quebrando coisas preciosas,

fazendo o suor lavar minha face,

meus dentes trincarem,

minhas alergias emocionais voltarem,

as veias da testa saltarem,

e tudo doer,

pois não é justo, não é justo,

não é justo vó,

a senhora ter de trabalhar PESADO até os 65

pra ter o que comer,

o que vestir,

com o que pagar as contas

de coisas essenciais que deveriam ser gratuitas,

apenas pela sua origem humana de nascer na terra e pertencer.

A senhora trabalhou e batalhou, vó,

limpando casas e mansões,

limpando merda e polindo pratarias,

cuidando de idosos, de crianças, de bichos,

de irmãos, vizinhos, maridos, filhos, sobrinhos e netos,

fazendo panelões de comidas,

baciadas de roupa lavada,

catando tarrachinhas de ouro

perdidas pelas escadas,

pra ricos malditos e ingratos

que te abusaram e tentaram te passar a perna.

A vida é assim?

Nós nos FODEMOS pra outros rirem da nossa cara?

Pra sua patroa ir no seu velório,

sorrir pra senhora no caixão e não derrubar nenhuma lágrima?

Pra levar os filhos nojentos e podres dela,

que deixavam calcinha cagada em baixo da cama

e comida apodrecendo no guarda-roupa pra senhora limpar?

Isso faz ALGUM sentido?

Eles viverem e a senhora definhar?

Faz sentido, eu viver e a senhora embaixo da terra estar?

Não tem sentido.

Eu surto de raiva plena às 08h da manhã

no meu emprego home-office de merda,

é tudo que consigo, não faço nada importante,

não cuido de ninguém,

não esbanjo dons e inteligência

e relevâncias,

o que eu faço é medíocre,

e sei disso,

mas é com isso que também pago as contas,

com isso que também destruo minha alma,

com isso que meus ossos

e pensamentos se cansam.

E eu sou tão fraca,

tão burra,

tão sem força,

sem talento,

sem disposição,

sem alma,

sem perspectiva de futuro,

sem coisas reais pra me agarrar,

sem fôlego de vida,

que isso é o máximo que eu consigo: raiva.

❖❖❖
Notas de Rodapé

VAI SE FODER TODO MUNDO

Apreciadores (0) Nenhum usuário apreciou este texto ainda.
Comentários (0) Ninguém comentou este texto ainda. Seja o primeiro a deixar um comentário!

Outras obras de 6 de Janeiro

Outras obras do gênero Cotidiano

Outras obras do gênero Crítica

Outras obras do gênero Drama

Outras obras do gênero Poema