Ela havia acabado de chegar, que diabos uma menina de família estava fazendo ao chegar em casa duas horas da matina? Bêbada ainda por cima. Se eu pudesse dar um tapa em minha cabeça, não sei se daria na minha ou na dela. Dava pra sentir o cheiro de vodka a uma distância assustadora; beleza, vinho era aceitável, aprendemos na família que era refinado, mas vodka? Jura?!
Sem modos algum, os quais sua família prezava tanto, simplesmente jogou sua bolsa em cima do pufe e basicamente arremessou seu corpo na cama. Ainda cantarolava a melodia daquela música do Matanza, a qual combinava exatamente com seu papel ridícula de bêbada, totalmente fora de si ainda.
— Com licença — pigarreei para ver se ela finalmente prestaria atenção em mim.
Ainda com os sentidos meio em transe, demorou para finalmente me ver. E quando viu que era uma versão dela, bem mais sóbria e centrada como costumeiramente se é quando ela não bebe, deu um pulo da cama.
— Que diabos é isso? — coçou ambos os olhos, esperando que sua vista estivesse lhe enganando por causa do alto teor de álcool em seu organismo. — Caralho! — exclamou quando se deu conta do que realmente estava vendo.
— Olha a boca, guria! — Juro por Deus que eu queria sair de dentro daquele espelho e dar na cara dela.
Sim, eu era uma versão com a cabeça no lugar da garota bêbada na frente do espelho onde eu estava. Reflexos são bacanas, às vezes eles tomam vida; cuidado, viu? Sempre tem alguém te observando e às vezes é você mesmo. Enfim, isso não é o que importa; o que importa é: a garota ‘tava bêbada e cantando Matanza, ela nem gosta de Matanza.
— Primeira coisa, se recomponha! — A voz que usei foi autoritária o suficiente, mas por algum motivo ela estava olhando para o espelho como um cachorro olha para um pedaço de osso depois de muito tempo sem comer nada, não se sabe se está louco ou se deve devorar para comprovar — Depois, para de cantarolar essa música, você nem gosta de rock nacional!
— Cara, ‘pra alguém que hipoteticamente é minha versão sóbria, tu é doida! Eu sempre amei Pitty.
— Eu sei, mas não Matanza. — revirei os olhos — E, a propósito, sua tia vai te matar!
Aquela era uma situação complicada. Havia sido convidada para uma festa da faculdade; era uma noite difícil, estava triste com sua vida, principalmente a romântica e basicamente todas as outras áreas dela também, mas mesmo toda lascada ainda tinha aquele senso de responsabilidade, sempre foi mais adulta do que sua idade dizia que era. Relutou até que decidiu que “não faria mal algum, veria os colegas de sala, talvez até conversasse com as únicas duas pseudo amigas que tinha feito e distraísse de tudo aquilo, não iria beber e viria mais cedo para casa”, foi isso o que disse a si mesma, porém não foi bem isso que aconteceu.
Quando viu, já estavam jogando alguma coisa que envolvia bebida e ela era boa com bebidas. O que assustou a maioria das meninas da sua turma, uma chegou a comentar “eu nunca imaginei que ela bebesse desse jeito, ela parece tão… centrada”. O termo correto seria parecia tão centrada. Porque agora parecia mais uma doida cantando Matanza em um tom nada a ver com nada — o que a atormentaria depois, já que também era professora de música —, dando risada alto e passando a maior vergonha da sua vida. Depois de algum tempo, estava completamente bêbada.
— Quer saber o que eu acho da opinião da minha tia? Eu tô pouco me foden….
— CALA A BOCA, PELO AMOR DE NOSSA SENHORA! — dei um berro, o que aparentemente assustou-a.
Havia a necessidade de uma conversa séria naquele quarto.
— Beleza, amada, “temos um sócio no Clube dos Canalhas”. Na verdade, acho que é sócia, né? E eu sou a mulher enchendo sua paciência. Não quero desculpas, eu sei bem o que aconteceu. Tu tava mal para caralho, como você diz, aí foi lá, bebeu, bebeu, bebeu, já disse bebeu? Para de beber! Tu é uma mulher linda, autossuficiente, inteligente. ENTÃO PARA DE BEBER POR CAUSA DE ROMANCE QUE NÃO DEU CERTO, BELEZA?
Por algum motivo, acho que ela tinha acordado para a vida. Usei a tática dos gritos da mamãe, sempre dava certo.
— Mas foi divertido, né? Principalmente a parte que eu cantei em dó uma música que é em mi — Ela soltou me fazendo acabar dando risada.
A minha risada puxou a risada dela, o que acabamos fazendo até que ela sentiu dor na barriga.
— Nos divertimos — disse, tentando voltar à carranca, puxando minha blusa como sinal de que estava falando sério — Mas me promete que vai parar de beber por causa de um romance que não deu certo? E faça-nos o favor de ir ouvir Doroty, porque meus ouvidos rockeiros precisam ser alimentados por músicas que você realmente goste.
— Prometo, mas “temos um sócio no Clube dos Canalhas, não admitimos que apontem nossas falhas” — voltou a cantarolar aquela música chata ‘pra caramba.
— Ah, só lembrando, o projeto de pesquisa é ‘pra segunda, bonitona. E você nem sequer começou!
— Minha nossa senhora da pedagogia, eu tô ferrada — voltou a olhar para o espelho, mas não havia mais nada.
O pensamento que rodava a cabeça era: será que foi um surto coletivo dela consigo mesma por causa do álcool ou aquilo foi real? Primeiro que nunca descobriria, segundo que tanto faz, só sabia que nunca mais beberia por causa de um coração partido. Mas que havia realmente se associado ao Clube dos Canalhas, isso havia, mas cantar isso que é bom ‘jamé, Deus o livre errar o tom de novo daquela música.