— Onde eles estão? — Consigo ouvir a Tortura gritar, nervosa e impaciente.
— Eu não tenho rótulos em braille. Tenha paciência. — Respondi, esbarrando em alguns potes de vidro que jaziam nas prateleiras da minha estante.
Estávamos sozinhas em casa. Ternura e Tristeza haviam saído para bater um papo com algum amiguinho de encruzilhada. As coisas começaram a ficar um pouco caóticas do nada. O amiguinho estranho e totalmente macabro da Tortura apareceu, ficamos um pouco nervosas, mas tentamos agradá-lo. Acho que ele não curtiu o fígado podre da vítima de dois dias. Deveríamos ter dado algo fresco.O pestinha simplesmente fez sua risada ecoar por nosso covil, deixou um papel no chão e partiu. Tortura pegou o papel receosa.
— O que foi perdido, na coleção se encontrará. Vamos brincar! — Minha parceira falou, mas não consegui ver a expressão que fez.
— Tortura, não enxergo! E dessa vez eu tenho certeza de que não estou vendada.
— Você não é a única, minha querida. O que faremos agora? — Ouvi algo parecido com uma batida de porta. Provavelmente a minha parceira esbarrou em algo, desajeitada como era.
— Calma. Se você leu certo, nossos olhos só podem estar na minha coleção. A gente pode procurar ou pode esperar as meninas voltarem.
Paciência nunca foi nosso forte. Saímos tateando, esbarrando em tudo. Tortura acabou pisando no rabo do Salem¹ e ganhando alguns arranhões na perna, mas conseguimos chegar ao meu quarto e “encontrar” minha estante de troféus. O problema era apenas um: Meus rótulos! Como saberíamos qual era o par certo de olhos? Não dava para ficar testando de um por um. Mas que inferno!
— Vai ser como brincar de pique-esconde no escuro. Que maravilha! — Eu queria rir do que disse, mas a raiva já começava a me consumir.
Depois de algum tempo acabamos desistindo. Ficamos ali, paradas, ouvindo a música que tocava na casa da bruxa vizinha – provavelmente era algum ritual de invocação de alma –, enquanto esperávamos as meninas voltarem para nos ajudar. Demorou décadas, mas finalmente elas largaram o Crowley² e voltaram para casa.
Tristeza foi a primeira a nos encontrar. Tenho quase certeza de que ela estava chorando e aposto que foi devido ao nosso estado. Ternura chegou em seguida. Eu não enxergava, mas conseguia sentir o rastro rosa purpurinado passando perto de mim.
— Finalmente! O duende³ nos pregou uma peça e escondeu nossos olhos na coleção da Imperatriz. Achem de uma vez ou eu tranco vocês na minha salinha. — Tortura realmente estava irritada com a situação.
Após alguns instantes, ouvimos Tristeza gritar. Ela encontrou os olhos em uma coleção, mas não era a minha. Eles estavam bem perto de nós, na estante de fotos de nossas vítimas. Até emitiam um som estranho, parecia batimentos cardíacos. Ainda não acredito que não conseguimos ouvir o barulho dos infernos! Maldita vizinha funkeira!
Depois de recuperarmos nossa visão, corremos para a sala e começamos a planejar nossa vingança contra aquele duende infeliz!